quarta-feira, 4 de novembro de 2009

A chama

O JC está publicando durante essa semana uma série de matérias que eu e o colega Cláudio Isaías escrevemos sobre adoção, a situação de crianças e adolescentes em abrigos, o que fazer para diminuir o tempo de abrigagem, etc. Começou ontem e segue até segunda-feira que vem. Para a matéria de hoje, escrevi um texto que, não achava que seria publicado, mas, como autocensura não é comigo, escrevi e passei para a editora. Pois saiu. Foi publicado em um jornal lido pela classe A. Bateu um orgulhosinho aqui. Segue abaixo o texto.

(antes, para contextualizar: nós fomos em um abrigo, lá no bairro Belém Novo, e a matéria principal fala sobre aquele local)

Elas mantêm a chama acesa

Juliano Tatsch

Do que aquelas crianças riem? Porque aquelas crianças riem? Afinal de contas, elas não vivem com os pais (algumas delas nem chegaram a conhecê-los), não têm brinquedos modernos, telefones celulares, vídeogames, câmeras digitais, computador. Acredite: elas conseguem sobreviver sem passar horas “conversando” pelo MSN ou postando scraps no Orkut. Elas não têm iPod. Aliás, a maioria delas não tem a mínima ideia do que seja um iPod. Suas roupas e calçados não estampam marcas famosas e cobiçadas.
Elas não desfilam em carros bonitos, não frequentam escolas de línguas, não passeiam em shopping-centers e não compram coisas as quais irão usar umas poucas vezes e que depois vão parar no fundo do armário, ou dentro do closet. Elas não têm um quarto só delas. Elas não estudam em escolas particulares. Elas não passam férias no exterior. Elas não aparecem nas capas de jornais e revistas jovens, distribuídos em frente a escolas, pois não são o modelo de beleza que o “mercado” exige, apesar de serem simplesmente lindas. Elas não são atendidas em hospitais e clínicas privadas quando ficam doentes. Nenhuma daquelas crianças e adolescentes foi seis vezes no cinema para ver Crepúsculo. Boa parte delas nunca entrou em um cinema. Elas moram longe de qualquer cinema, no extremo Sul da cidade. Elas não são consumidoras vorazes, as propagandas na televisão não são direcionadas a elas. Elas não se vêem na televisão.
Como explicar então, a extrema educação daquelas crianças? Como explicar o sorriso constante, a disposição e o brilho nos olhos daquelas crianças? As respostas para essas indagações são muitas. Somente duas, porém, já fazem com que esse mistério seja entendido. A primeira resposta. Aquelas crianças sorriem e são educadas porque felicidade e educação (falo de educação, não de conhecimento) não possuem nenhuma relação com dinheiro. A segunda resposta. Aquelas crianças sorriem porque, contrariando todas as expectativas, elas são vencedoras. Elas terão um futuro. Aquelas lindas crianças sorriem porque mantêm a esperança. Elas mantêm a chama acesa. E com fogo alto.