quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Ela era a tempestade. Ele era o barquinho pesqueiro balançando em desespero.




Não foi nada fácil para ele admitir que estava apaixonado. Ainda mais por ela. Aquele era um momento de sua vida em que apaixonar-se já não estava em seu horizonte. Ainda mais por ela. Depois de um casamento que acabou, ele havia dito para si mesmo que iria dar um tempo nos relacionamentos. Ele era muito jovem quando decidiu que queria viver o resto da sua vida ao lado daquela mulher. Antes dos trinta, bem antes, já estava divorciado. O casamento não havia dado errado. Eles foram muito felizes enquanto se amaram.  E se amaram bastante, mas acabou. Acabou o amor e o casamento também. O fim foi uma consequência, não houve brigas, e os dois mantinham uma relação de amizade. Ele, porém, decidiu que não iria se envolver daquela forma tão cedo. Não queria namorar e sequer manter um envolvimento casual, sem compromissos, com uma mesma pessoa. Ele queria curtir a sua solteirice. Não curtir como um adolescente com os hormônios em polvorosa. Apenas curtir, poder fazer somente aquilo que tinha vontade de fazer. Mas, aí, ela surgiu na sua vida e todo o planejamento desabou feito um castelo de cartas.

Um parêntese

A essa altura, ele já havia se dado conta de que o homem é a parte mais frágil da relação. Sempre se sentira orbitando ao redor da mulher. Elas eram mais perspicazes, mais espertas, mais intuitivas, mais decididas. Elas eram mais corajosas, mais atentas. Ele sempre se sentira como um coadjuvante em suas próprias histórias de amor.

Fecha parêntese

Ela era mais jovem do que ele. Bem mais jovem. Quase 10 anos mais jovem. E era muito bonita. Tinha uma beleza incomum, com traços marcantes, rosto anguloso e olhar intenso e inquisidor.

E como era extrovertida e falante aquela menina. Puxa vida, era mesmo. E isso era outra coisa que o deixava encantado. Ela era o oposto dele. Despojada, dona de si.

Ele era mais introvertido. Mais para si do que para os outros. Mas não confunda isso com egoísmo. Ele não era egoísta. Não mais do que qualquer um de nós é. Ele era, simplesmente, mais para si do que para os outros.

Foi quando ela sorriu para ele na mesinha do café e lhe disse um “tudo bem?” que ele percebeu que estava apaixonado. Ao mesmo tempo em que se sentiu vivo novamente, ele soube que aquilo iria bagunçar tudo o que já havia colocado no lugar após o fim do casamento. Ele se sentia calmo, tranquilo.  Saía para beber com os amigos, deixava a tampa da privada levantada, jogava videogame até tarde, vestia-se com qualquer roupa com a qual se sentisse bem. Agora acontecia isso. Logo agora que as coisas estavam se ajeitando. Precisava ela ser tão bonitinha? Precisava? Precisava ter ela aquele jeitinho todo delicado e aquele olhar tão decidido?

Seus dias de navegação em serenos mares haviam acabado. Ela era a tempestade. Ele era o barquinho pesqueiro balançando em desespero.

E por uma dessas coisas difíceis de explicar, e que somente uma mulher é capaz de conseguir, ali, naquele exato momento, na mesinha do café, na tarde calorenta de verão, ela soube que ele estava caidinho por ela. Ela soube de cara. A danada era bem esperta. Ele nem desconfiou.

Os dias posteriores ao encontro casual na mesinha do café foram terrivelmente angustiantes para ele e incrivelmente divertidos para ela. Enquanto ele procurava ao máximo evitar qualquer tipo de contato (um cruzar de olhares o deixava maluco), ela fazia questão de provocar. Levantava-se da cadeira e caminhava por entre as mesas com mais frequência, dava tchauzinhos para ele quando se viam olhando um para o outro à distância, aumentava o tom de voz durante as conversas para que ele a ouvisse.

Ele estava prestes a enlouquecer. Só conseguia pensar nela. O tempo todo. O dia inteiro. Ele sabia que seria assim. Desde o “tudo bem?” na mesinha do café ele sabia que seria assim. Sempre que ele se apaixona é assim. Exatamente por isso ele não queria se apaixonar. Mas aconteceu. Agora ele precisava lidar com a situação. E ele não tinha a menor de ideia de como fazer isso. Mas era preciso.

Focar no trabalho. Precisava encontrar mais atividades durante o tempo em que permaneciam no mesmo ambiente. Tentou, mas não conseguiu. Seu trabalho era mais intelectual do que braçal. Era mais pensar do que fazer. E ele só pensava nela.

Pedir férias. Ficar longe dela, longe de tudo que pudesse o fazer lembrar-se dela. Um lugar ermo. Sozinho. Ele e a natureza. O canto dos pássaros, o correr das águas do riacho, o farfalhar das folhas nas árvores. Que maravilha! Pena que o pedido foi negado de pronto. Fazia seis meses que estava naquele emprego. Não tinha direito a férias, portanto.

Era preciso encarar os fatos. Ele não tinha para onde correr. Estava apaixonado. Ela era sua colega de trabalho. Viam-se, ao menos, cinco dias por semana. Não tinha como evitá-la, a não ser que pedisse demissão, mas ele precisava daquele emprego. Estava em um beco sem saída.

Aquilo tudo passou a afetar seu desempenho no trabalho. Produzia cada vez menos e com qualidade inferior, tinha menos ideias e a maioria delas eram péssimas. Estava mais distraído, não conseguia se concentrar em nada. A cabeça sempre nas nuvens. Ia trabalhar com olheiras enormes de noites em claro ao som de jazz e saboreando uísques baratos. Ele estava acabado, feito um trapo velho encardido usado para limpar o balcão de um boteco de beira de estrada.

Passados quatro meses, ele percebeu que as coisas não poderiam continuar como estavam. Ele precisava agir. Precisava reagir. Precisava, como dizia a sua falecida avó, “tomar jeito de homem.” Ele nunca soube muito bem o que aquela expressão significava ao certo, mas, naquela noite, mais uma sem cerrar os olhos, ele conseguiu entender as palavras de dona Antônia.

Depois de tanto buscar, de tanto procurar. Depois de tanto querer, de tanto sofrer. Depois de tanto pensar, depois das noites sem dormir. Depois de tudo isso, ele encontrou a solução. Ela estava ali. Diante dos seus olhos. Ele que não percebera. Mas nunca é tarde. Nunca é tarde. E ele sabia disso. Ele sempre soube que aquela era a única solução, a única resposta.

Entregar-se.

Essa era a única solução. Essa era a única resposta.

Ele soube naquela madrugada silenciosa que precisava sentir aquilo, aceitar aquele sentimento. Não havia outro caminho sem dor.

Precisava falar com ela. Precisava se expor, dizer a ela tudo o que sentia e que tinha passado nos últimos meses.

Mas ela era tão madura, tão segura de si.

Não importa. “Tome jeito de homem!”

Ao chegar ao trabalho no dia seguinte, antes mesmo de bater o cartão, ele se dirigiu à mesa dela. Passos confiantes. Cabeça erguida, postura militar. Expressão de conquista no rosto. Discurso decorado e um sentimento de libertação nunca dantes sentido.

A mesa estava vazia. Ela não estava lá. Ele olhou ao redor e não a viu. Olhou de novo para a mesa e notou que não havia nada do que costumava ver ali. Não viu os post-its colados no monitor do computador, não viu a caneca de porcelana, não viu as flores que sempre coloriam, viçosas, aquele ambiente. Nada estava ali. Aquela já não era a mesa dela.

A essa altura, o nervosismo já o dominava. O que será que havia ocorrido? Por que ela não estava ali? Por que as coisas dela não estavam ali? Por quê?

Tentando disfarçar seu estado de nervos, perguntou a um outro colega se ele havia visto a menina da mesa vazia. “Ahh, ela? Pediu demissão. Não sei bem a razão, mas ela andava meio triste nos últimos dias, parecia decepcionada com algo, ou cansada de esperar algo, uma coisa assim. Por quê?” “Por nada não, nada não. Só curiosidade.”

Assim, com raiva de si mesmo por ter demorado tanto para tomar uma atitude, ele caminhou com passos arrastados até a sua escrivaninha. Sentou-se deixando o corpo desabar sobre a cadeira. Ele estava exausto, mas sentia-se leve. Havia tirado um peso de suas costas. Não iria mais vê-la todos os dias. Ela não iria mais provocá-lo. Em alguns poucos dias, já não sonharia mais com ela. Teria tranquilas noites de sono. Iria render mais no trabalho. Tudo iria melhorar. Havia acabado. Sua provação havia acabado. As coisas iriam voltar à normalidade. Na verdade, ela nem era tão bonita assim, nem era tão simpática e inteligente, nem era tão atraente, pensou.Tudo iria melhorar.

Deu um suspiro longo, esboçou um sorriso amarelo no rosto e olhou para a tela do computador. Era hora de começar a trabalhar. Ali, colado no monitor, estava um daqueles post-its amarelinhos. Ele estranhou, ajeitou os óculos e leu, palavra por palavra:

“TE ESPERO ÀS 20H, NO BARZINHO DA ESQUINA. BJS, LINDINHO.”

Seu corpo amoleceu, seu coração disparou, suas mãos tremeram, e uma expressão de êxtase lhe tomou a face. O grito que lhe trancava a garganta explodiu e sua voz pôde ser ouvida em todo o universo.

“SIM!!!!!!!!!!!”

Ela o queria. Ele a queria. Estava apaixonado. Nunca se sentira tão bem na vida.