segunda-feira, 29 de novembro de 2010

A pitada subversiva do dia

No JC de hoje está publicada uma matéria minha falando sobre como funcionam as UPPs. Fiz uma entrevista com o sub-secretário de Segurança carioca um tempo atrás e aproveitamos o momento para lançá-la. No meio do texto, coloquei uma passagem para saciar a minha veia subversiva. Não sabia se ia passar, mas, como eu não costumo me auto-censurar escrevi e, bom, tá na página. Reproduzo abaixo o trecho.


"Enquanto a violência estava localizada nas periferias, nas favelas, vitimando jovens pobres e, em sua maioria, negros, nada, ou muito pouco, se fez. Quando ela começou a descer dos morros e chegar ao asfalto, às zonas nobres, ao Leblon, a Copacabana, a Ipanema, atitudes tiveram de ser tomadas. Foi assim no Rio de Janeiro e foi assim também em Porto Alegre, com ações sendo adotadas somente quando o crack saiu das vilas e de baixo das pontes e começou a chegar às classes médias, na Bela Vista, no Moinhos de Vento e no Menino Deus.
No Rio de Janeiro, o Estado abandonou as favelas. Não ocupou o seu espaço. As facções criminosas, por sua vez, não bobearam e passaram a ditar as suas regras nas comunidades pobres cariocas. O Comando Vermelho (CV), o Terceiro Comando (TC), o Amigos dos Amigos (ADA) e o Terceiro Comando Puro (TCP), união entre o TC e o ADA, assumiram, às avessas, o papel governamental e começaram a comandar muitas das favelas do Rio.
Com o tempo, se aproximaram dos moradores, prestando serviços que seriam de obrigação dos governos, e fazendo com que eles passassem a sentir medo da polícia, que subia os morros e deixava para trás um rastro de sangue, não distinguindo inocentes de criminosos."

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

A adolescência (ou onde foram parar aqueles quatro anos?)

Estava eu alguns dias atrás tentando dar uma organizada nas minhas gavetas quando encontrei por acaso alguns álbuns de fotografias meus. Olhei todos, página por página e, após repassar muitos anos da minha vida, lembrando com saudade de alguns daqueles instantes registrados e com não tanta saudade outros, percebi uma coisa que nunca havia notado, mas que depois, pensando bem, vi que fazia sentido: não tenho nenhuma foto da minha adolescência, mais especificamente do período entre meus 15 aos 19 anos, naqueles álbuns.
No início me espantei e comecei a procurar fotos do meu tempo de imberbe adolescente para colocar, uma que fosse, em algum daqueles depositórios de imagens. Depois de vasculhar em todos os lugares em que tenho fotos guardadas me espantei mais ainda. Não tenho nenhuma foto minha de quando eu era adolescente. Comecei a pensar, tentando encontrar uma razão para isso. Nem demorei muito para encontrá-la, a razão. O fato é que esse período da minha vida não me deixou nenhuma marca indelével. Nada. Não tenho nenhuma lembrança de algum acontecimento importante que tenha ocorrido nessa época. Nada. Aprofundando-me um pouco mais na questão, percebi outra coisa: de todos os amigos que eu tenho hoje, que na verdade não são tantos assim, (mas, sinto dizer a você que está lendo e que tem muitos amigos, são, indiscutivelmente, os melhores amigos que uma pessoa pode ter, sem dúvida nenhuma melhores que os seus amigos, até porque, para você estar lendo isso, eu devo ser um deles e os meus amigos são beeem melhores do que eu), nenhum eu conheci entre os 14 e os 18 anos. Não fiz amigos, não tive amores nem paixões. Não fiz sequer inimigos.
Até hoje eu sei o sobrenome de quase todos os meus colegas de Ensino Fundamental. Dos meus colegas de Ensino Médio, não sei o nome de nenhum. A impressão que tenho é que eu saltei do último ano do Ensino Fundamental direto para o primeiro ano da faculdade. Há um vácuo nesse período intermediário. E acho que esses anos me fazem falta de vez em quando. Não sei de que forma nem quando nem porque, ma sinto que falta alguma coisa às vezes, algo na formação. Não sei ao certo, mas acho que pode ser isso.
Tentando buscar uma explicação para esse buraco negro que separa meus 15 dos meus 19 anos, achei uma que me pareceu a mais plausível. A minha extremíssima dificuldade de me relacionar com as pessoas. Quando falo extremíssima não uso de um superlativo clichê ou de uma força de expressão. Era extremíssima mesmo. Recordo-me que, nesse ínterim de tempo, quando conversava com alguém, eu não conseguia olhar nos olhos dessa pessoa. Simplesmente não conseguia. Ficava a conversa toda ou olhando para baixo ou buscando algo ao redor para me chamar a atenção. Para quem me conhece hoje e me conheceu depois que eu entrei na faculdade, em 2003, pode parecer algo imaginável, mas eu era o tímido mais tímido do que o tímido mais tímido que vocês conhecem.
Na faculdade eu encontrei uma forma de me relacionar mais e melhor com as pessoas. O humor. Sempre gostei de fazer os outros rirem. Na faculdade, porém, acho que percebi que essa poderia ser uma boa maneira de me comunicar. Não que eu seja um Grouxo Marx, mas acho que tenho talento para fazer as pessoas rirem. Não sei contar piadas, não sou um grande imitador, mas sempre fui bom em aproveitar as deixas, em fazer alguma observação divertida no momento correto, de fazer trejeitos para falar, enfim. Para um colega, sou o “maior humorista vivo” (abraço Ponsito). Um outro amigo sempre me diz que um dia ainda me verá na TV em algum programa relacionado ao humor (abraço Adorno). Sei que os dois são grandes amigos e exageraram, mas, sem falsa modéstia, sei divertir. O fato é que esse artifício fez com que eu mudasse muito. Hoje, a minha timidez se restringe às relações com pessoas que eu não conheço e a algumas situações bem específicas. Com os amigos e colegas de trabalho, às vezes, sou expansivo até demais.
A minha retração entre os 15 e os 19 anos fez com que esse espaço de tempo não ficasse registrado, nem na memória, nem em escritos, nem em fotografias. É como se um prédio de, até agora 26 andares, tivesse um alicerce muito sólido, com os primeiros quatorze andares bem construídos com cada um deles estando repletos de momentos, de lembranças, de histórias, de pessoas. Daí, do décimo quinto ao décimo nono andares, só há espaço vazio. Quatro andares sem nada, nenhum móvel, nenhuma cortina, nenhum bilhete sequer. Alguma poeira no vidro das janelas, talvez. A partir do décimo nono, os andares voltam a estar cheios.
É engraçado, ao mesmo tempo que é triste, ao mesmo tempo que é curioso, ao mesmo tempo que é difícil. Essa fase da vida talvez seja a que mais se faz besteira, mais se faz loucuras, mais se chora, mais se ama, mais se odeia. É uma fase da vida que, geralmente, deixa pouco de conteúdo para o restante que segue. O pouco às vezes, porém, faz muita diferença. Em alguns casos, faz toda a diferença.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Uma aula pós beatle Paul

A segunda-feira pós beatle Paul foi de alegria por ter presenciado O show, muito cansaço e de uma bela aula sobre violência, criminalidade e segurança pública.
Luiz Eduardo Soares é antropólogo, mestre em Antropologia Social e doutor em Ciência Política. Ele ficou bastante conhecido por ser um dos autores dos livros Elite da Tropa, 1 e 2, que deram origem aos dois filmes Tropa de Elite. Soares esteve em Porto Alegre, participando de dois eventos, na Ufrgs e na Esade, e autografando seu livro na Feira.
Conversei com ele e assisti a toda a sua apresentação na Esade. O antropólogo não falou dos livros ou dos filmes, e sim sobre violência e segurança. O cara sabe muito sobre o assunto e tem opiniões bem interessantes.
Fiz uma matéria para o JC que está publicada na desta terça-feira e os caríssimos amigos leitores podem conferir no link lá embaixo. Porém, como o espaço da página do jornal é restrito, sobrou muita coisa legal que eu não poderia descartar. Assim, segue abaixo outros trechos do que o Luiz Eduardo falou que, junto com a matéria do JC, formam um panorama bacana sobre a questão.

Como você analisa o modo como a questão da violência é tratada hoje no Brasil?
Luiz Eduardo Soares
- O tratamento conferido pelas autoridades e pelas lideranças políticas não é compatível com a magnitude e com a gravidade do problema. Nós precisamos muito mais do que ações tópicas e reativas. As autoridades se debruçam sobre o problema na crise. Quando o doente vai para o CTI há alguma ação e a ação que se pode fazer no CTI é muito limitada. Para que se previna o problema nós vamos precisar de uma profunda reforma institucional.


Houve uma maior preocupação em levar políticas sociais para as periferias depois que a violência saiu delas e passou a fazer parte do cotidiano das zonas nobres das cidades? O mesmo vale para as drogas?
Luiz Eduardo Soares -
No Rio há uma confluência entre áreas pobres e nobres e os problemas sempre foram sentidos por todos. Em outras cidades, como São Paulo, onde o cinturão da periferia fica distante e fora do centro urbano que era objeto da atenção midiática, esses problemas não eram visíveis até o início dos anos 1990. E se tornaram mais visíveis e sentidos não porque houve um crescimento, mas, sobretudo, porque os problemas se derramaram sobre as áreas mais nobres da cidade que constituem o foco de interesse e atenção da mídia.

Em curto prazo, a algo que possa ser feito?
Luiz Eduardo Soares
- Não há como inventar soluções rápidas, pois os instrumentos disponíveis são muito precários. Infelizmente as respostas rápidas são as que vem sendo dadas e são insuficientes. Para que seja possível mudar a qualidade do problema e a qualidade da nossa resposta temos pensar em logo prazo. Para que isso ocorra temos de transformar o modelo policial, reestruturar as organizações policiais e todo o quadro das instituições da segurança pública, que é um quadro montado para atender a realidade da Ditadura. Parte do nosso problema tem a ver com a incapacidade do Estado de garantir a legalidade e respeitar a Constituição e a incapacidade de operar as mudanças necessárias para que as policias funcionem de acordo com os mandamentos constitucionais e suprir as exigências de uma sociedade tão complexa.

Sobre a atuação das policias
“A tarefa fundamental não é proteger a vida, pois, se estando em uma guerra, a tarefa fundamental é matar o inimigo.”

Sobre as carências nas investigações
“A taxa de esclarecimento de crimes letais no Rio de Janeiro varia de 1,5% a 7,8%. Isto é, apenas esta porcentagem de inquéritos são aceitos pelo MP. Nos países desenvolvidos, esse percentual varia de 80% a 90%.”

Sobre o foco das ações policiais
“O foco da atuação policial está no flagrante. Isto configura uma seletividade, resultando no processo que chamamos de criminalização da pobreza.”

Sobre a “guerra às drogas”
“A partir dos anos 1990, há uma atenção muito grande à questão da droga. Porém, mais uma vez, está nos jovens pobres e negros.”

Sobre o oportunismo em tempos difíceis
“Na crise só há resposta para a crise. É preciso reconstruir as instituições, mas isto requer tempo.”

Sobre o papel da polícia
“As estruturas organizacionais das nossas polícias são incompatíveis com as nossas necessidades democráticas. As policias brasileiras funcionam sem gestão como máquinas burocráticas. Elas são reativas e não proativas. O policial tem de ser um gestor local da violência, com capacidade de interpretar os acontecimentos, não agindo reativamente.”

http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=45866