terça-feira, 29 de setembro de 2009

As casas e as ruas alagadas e o galo que corre sobre as águas

O título aqui em cima era o título original da matéria que sai nesta quarta no JC e que reproduzo logo aqui embaixo. O título teve de ser trocado, pois não coube na página, mas o texto é o mesmo. A experiência me fez ganhar o mês e acho que o texto ficou bacana, se não bom, pelo menos diferente do que é comumente publicado sobre a questão. Leiam e opinem, se quiserem.

Foto de Mauro Schaefer

Moradores vivem a rotina dos alagamentos
Residentes da Ilha dos Marinheiros se adaptam para permanecer na região

Juliano Tatsch

Quem mora nas ilhas de Porto Alegre não vê o lado glamouroso do lago Guaíba. Não vê o famoso pôr do sol. O único glamour que quem vive nas ilhas do Guaíba vê são as luxuosas casas que margeiam o lago. Quem mora do lado de cá da Capital contempla a beleza do entardecer. Quem reside do lado de cá, porém, não enxerga o que quem mora nas ilhas vive, diariamente, quando dos períodos de chuva na Capital e nas cidades da Região Metropolitana.
A reportagem do Jornal do Comércio pegou carona na carroça dos papeleiros Adriano e Paulo Ramos para acompanhar, por pouco tempo, parte das dificuldades de quem vive na Ilha dos Marinheiros quando o nível do Guaíba sobe. É impossível andar a pé nas áreas mais baixas. O único modo de se locomover é através de carroças, cavalos, botes e barcos. Caso contrário, a pessoa deve ter um bom par de botas de cano longo, ser extremamente corajosa e não temer os riscos de adquirir alguma doença.
Fernando Souza mora há 16 anos na ilha. Segundo ele, o medo maior ocorre durante a noite, pois a água pode subir e pegar todos de surpresa enquanto dormem. “Nós estamos permanentemente em alerta. Essa água é imprevisível. À noite nós vamos dormir e ela está normal; quando acordamos pela manhã já está batendo na porta. Várias vezes já tivemos de sair. Nessa cheia de agora, a água só não entrou em casa porque a construção é alta”, relata.
Os moradores da Ilha dos Marinheiros, sabedores do constante risco de enchente do lago, constroem suas casas sobre pilares, a uma altura considerável. Em muitas delas, nem isso é suficiente. No caso das residências que ficam completamente ilhadas ou são tomadas pela água, a única coisa a ser feita é retirar as famílias e alojá-las em outro local, que, no caso da Ilha dos Marinheiros, é a escola.
O problema, porém, não se encerra com a retirada dos moradores de suas casas. Muitos deles não querem sair. Duas são as razões básicas para isso: uma é o medo de ter seus pertences furtados durante o período que não estiverem em casa; a outra é o fato de, ao se ausentarem de suas residências, se sentirem impotentes, não poderem fazer nada para salvar um pouco que seja de seus móveis e utensílios domésticos. “Eu não deixo minha casa. Nunca saí, mesmo quando a água subiu muito mais do que agora. É muito perigoso. O risco de voltar e não encontrar mais nada é muito grande”, diz Cacilda Rodrigues, há 44 anos moradora da ilha.
Os irmãos Ramos seguem com seu cavalo água adentro. O animal dá sinais de cansaço, afinal de contas, carrega na carroça os dois irmãos, o repórter e o fotógrafo. Caminhar com água batendo no joelho exige muito mais do físico do animal que, valente, segue sem parar, a não ser quando Paulo faz uma breve parada para que as histórias dos moradores possam ser ouvidas e as imagens possam ser registradas. Não se vê muitas pessoas nas ruas e as que estão, em sua maioria, ou trabalham ou aproveitam o sol da tarde de terça-feira para pôr algumas roupas e móveis para secar. Não se nota tristeza nos rostos. A única explicação para tal é dada por Souza. “Já esteve muito pior. Hoje está até bom aqui”, ressalta.
Crianças brincam. Duas correm atrás de um galo que, tentando voar, parece caminhar sobre as águas. “Vai para a panela, vai para a panela”, diz o menino após conseguir apanhar a ave. A carroça segue e mais adiante é possível ver um outro menino se equilibrando sobre um pedaço de isopor, utilizando um galho que leva em uma das mãos como remo. Em um dos pátios alagados, outra criança demonstra muita destreza indo de um lado para o outro e dando giros completos com um barco. Mesmo em meio à tragédia, ainda há lugar para sorrisos e brincadeiras.

- http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=8988&codp=104&codni=3

sábado, 26 de setembro de 2009

"É um assunto de classe"

Noam Chomsky é mestre. Depois que li “O Lucro ou as Pessoas?” para fazer meu trabalho de conclusão de curso passei a me interessar bastante pelos seus escritos e opiniões. Passando por alguns site na Internet achei uma entrevista dele ao jornal mexicano La Jornada, reproduzida pela Agência Carta Maior. Destaco um trecho em especial. Em época de campanhas contra as drogas, especialmente uma delas, vale a pena dar uma lida. O texto completo pode ser lido aqui.

A guerra contra o narcotráfico
Noam Chomsky

A guerra contra a droga, que se espalha por vários países da América Latina, entre eles o México, tem velhos antecedentes. Revitalizada por Nixon, foi um esforço para superar os efeitos da guerra do Vietnã, nos EUA. A guerra foi um fator que levou a uma importante revolução cultural nos anos 60, a qual civilizou o país: direitos da mulher, direitos civis. Ou seja, democratizou o território, aterrorizando as elites. A última coisa que desejavam era a democracia, os direitos da população, etc., razão pela qual lançaram uma enorme contraofensiva. Parte dela foi a guerra contra as drogas.
Ela foi desenhada para transportar a concepção da guerra do Vietnã: do que nós estávamos fazendo aos vietnamitas ao que eles não estavam fazendo a nós. O grande tema no final dos anos 60 nos meios de comunicação, inclusive os liberais, foi que a guerra do Vietnã foi uma guerra contra os EUA. Os vietnamitas estavam destruindo nosso país com drogas. Foi um mito fabricado pelos meios de comunicação nos filmes e na imprensa. Inventou-se a história de um exército cheio de soldados viciados em drogas que, ao regressar para casa, converteram-se em delinquentes, aterrorizando nossas cidades. Sim, havia uso de drogas entre os militares, mas não era muito diferente do que existia em outros setores da sociedade. Foi um mito fabricado. É disso que se tratava a guerra contra as drogas. Assim se mudou a concepção da guerra do Vietnã, transformando-a em uma guerra na qual nós éramos as vítimas.
Isso se encaixou muito bem com as campanhas em favor da lei e da ordem. Dizia-se que nossas cidades se desgarravam por causa do movimento anti-guerra e dos rebeldes culturais, e que por isso era preciso impor a lei e a ordem. Ali cabia a guerra contra a droga.
Reagan ampliou-a de maneira significativa. Nos primeiros anos de sua administração intensificou-se a campanha, acusando os comunistas de promover o consumo de drogas. No início dos anos 80, os funcionários que levavam a sério a guerra contra as drogas descobriram um incremento significativo e inexplicável de fundos em bancos do sul da Flórida. Lançaram uma campanha para detê-lo. A Casa Branca interveio e suspendeu a campanha. Quem o fez? George Bush pai, neste período o encarregado da guerra contra as drogas. Foi quando a taxa de prisões aumentou de maneira significativa, principalmente a prisão de negros. Agora o número de prisioneiros per capita é o mais alto do mundo. No entanto, a taxa de criminalidade é quase igual a dos outros países. É um controle sobre parte da população. É um assunto de classe. (grifo meu)
A guerra contra as drogas, como outras políticas, promovidas tanto por liberais como por conservadores, é uma tentativa para controlar a democratização das forças sociais. (grifo meu)
Há alguns dias, o Departamento de Estado emitiu sua certificação de cooperação na luta contra as drogas. Os três países que foram “descertificados” são Myamar, uma ditadura militar – não importa, está apoiada por empresas petroleiras ocidentais -, Venezuela e Bolívia, que são inimigos dos EUA. Nem México, nem Colômbia, nem Estados Unidos, em todos os quais há narcotráfico.