terça-feira, 6 de abril de 2021

 

Ao vento

 

No amanhecer dos teus cabelos,

Vou me deitar e pensar nas ondas do mar,

Em fios de ouro derramando na imensidão do céu,

Nos versos da canção que
escrevi para ti.

 

Vou navegar pelas curvas do teu corpo,

Ou velejar por verdes rios do teu olhar.

Um assovio da brisa na janela.

Folhas caindo no outono em teu jardim.

 

A luz entrando pelo quarto.

Texturas e sombras.

Cheiro da chuva que se aproxima.

Teu doce gosto em minha boca.

 

Calor do toque das mãos.

Taça de vinho sobre a mesa.

Arrepios e gotas na tua pele.

 

Histórias que contei ao teu ouvido.

Ponteiros do relógio na parede.

Café quente no fogão.

 

Sabor de vida ao despertar em movimento

No amanhecer dos teus cabelos

 

Ao vento.


terça-feira, 6 de outubro de 2020

CANÇÃO DE NINAR


Passo a mão sobre o seu cabelo, assim como minha mãe passava nos meus. Você dorme um sono tranquilo. Inocente, alheio a tudo o que acontece em todos os lugares do mundo, alheio ao mundo. Encosto a cabeça em seu peito. Ouço sua respiração suave, quase silenciosa. Seguro a sua mão. Eu queria sentir o que você sente. O que você sente? O que vai sentir? No dia em que você chegou, chovia. Como agora chove. Eu lembro muito bem. Você não chorou. Estava quietinha. Você não chorou quando nasceu e isso diz muito sobre quem é. Sobre quem se tornou. Me orgulho de quem você se tornou. Adoraria pensar que uma parte de mim, uma pequena parte de mim, reside em você. E que vou estar contigo onde quer esteja. Te amo como nunca pensei que pudesse amar alguém.

Você não sabe, ainda é muito nova para saber, mas nem sempre iremos estar assim como estamos agora. Em amorosa harmonia. Nós vamos brigar. Vamos discutir. Você vai me olhar com aquela expressão de deboche que só você consegue fazer. Aquilo irá me irritar. Você saberá disso. Fará de propósito. Eu vou arquear as sobrancelhas e mandar você ir para o seu quarto. Você vai bater a porta com força ao fechá-la. Você vai bater a porta muitas vezes.

Essa será a época mais difícil entre nós. Você não vai querer me ouvir. Seus amigos serão mais importantes. Tudo será mais importante. Eu não vou entender. Vou me afastar. Vou te afastar.

Errei muito com você. Foram os maiores erros da minha vida. Não porque foram grandes. Mas porque foram com você. Eu vou pedir desculpas. Você vai dizer “tudo bem”. Não vai ficar tudo bem. As coisas irão mudar depois disso.

Você vai ficar cada vez menos em casa. Quer ser independente, diz. Eu não gosto da ideia de te ver longe de mim. Ela me assusta. Você sempre esteve aqui. Sob meu olhar. Sempre tive medo de que algo ruim acontecesse e eu não estivesse por perto para te acolher. Sempre tive medo do dia em que isso iria acontecer. Achava que nosso laço se enfraqueceria. Eu estava errada.

No dia em que o telefone tocou dizendo que você estava no hospital, eu chorei o caminho todo enquanto dirigia. No fim não era nada demais, uma bebedeira apenas. Mas eu me culpei. E me culparia outras tantas vezes mais.

Você vai crescer. E tudo o que eu vou mais querer é que seja melhor do que eu fui.

Eu queria estar aqui para sempre. Não porque você irá precisar de mim. Porque não vai. Eu sei que não vai. Não tenho ilusões. Mas porque eu queria acompanhar todas as suas conquistas, todos os seus sorrisos e estar junto de ti quando das lágrimas. Porque elas virão, minha menina. Elas sempre veem.

Você ficará especialmente triste quando o seu pai sair de casa. Você ficará mais do que triste. Uma espécie de revolta aflorará e você irá mudar. Esse será um daqueles pontos de ruptura. As coisas serão diferentes a partir dali. Você irá se esforçar para mostrar que é diferente de mim. Você é diferente de mim. Tão diferente de mim. Eu não saberei como agir. Vou me sentir como que pisando em lâminas afiadas, tentando evitar os cortes mais profundos. Mas viver é isso, cortes e cicatrizes. Eu tenho muitas. Algumas, foi você quem deixou e eu sei que deixei outras em você também.

Eu vou te acolher e você sabe que sempre terá em mim um abrigo. Sempre estarei aberta. Sempre estarei pronta. Mesmo quando não estiver. Mesmo quando parecer não estar.

Tenho você aqui, frágil, mas protegida. Eu achava que a sua fragilidade me fazia mais forte. Eu me sentia mais forte. Eu precisava ser mais forte. Por você.

É curioso como isso funciona. Quanto mais forte você ficar, mais eu vou temer por você. A coragem vem junto com a força e, ao lado, ambas trazem os riscos. E você vai se arriscar. Ah, como vai se arriscar.

Você nunca se deixará domar. Será como a correnteza bravia de um rio. Sempre que quiserem controlá-la, você irá transbordar cheia de energia, cheia de fúria. Irá respingar em quem estiver por perto. Você será assim. Jamais passará despercebida.

O amor irá lhe machucar. A quem não machuca? Mas isso eu não vou contar agora. Você terá de aprender sozinha. A coisa mais incrível em se apaixonar está em se surpreender. Não tirarei isso de você. Será extraordinário. Você vai ver.

Tomo sua mão na minha. Seguro seus dedos miúdos. Esses dedos vão mover o mundo. Onde quer você vá, onde quer que esteja, minha menina, deixe lá o seu toque. Que as pessoas lembrem de você com um sorriso, e que você lembre delas com amorosidade.

Nem todo mundo será bom com você. Nem todo mundo é bom. E quem é bom, nem sempre é o tempo inteiro. Pessoas boas fazem coisas ruins às vezes. Até você irá fazer. Não se martirize por isso. Não há como ser bom o tempo inteiro. O importante é ser bom a maior parte do tempo e, quando não for, se sentir mal por isso.

Não vou estar sempre aqui, criança. Irei mais cedo do que gostaria. Todo mundo vai embora um dia. Saber que vou antes de você me faz feliz. Não suportaria o contrário.

Eu vou chorar todas as suas lágrimas e vou sorrir cada um dos seus sorrisos. Será sempre assim. Sempre assim.

Agora você abriu os olhos. Estão fixos em mim. São escuros e brilham como o céu noturno de verão. Com a ponta dos meus dedos, percorro o seu rosto como quem toca uma pintura em uma tela. Quero sentir suas nuances, conhecer seus detalhes. Quero gravar em minha memória cada parte de você. Quero te levar comigo aonde quer que eu for, aonde quer que você vá.

Te embalo e assovio uma canção de ninar. Você fecha os olhos e volta a dormir. A vida é boa. Ela há de ser.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020



EU


Existem partes de mim que ainda não conheço.
Lugares estranhos
Nos quais nunca estive,
Mas que se revelam nas portas fechadas.
Nas palavras não ditas.
Nos restos de memórias.
Nos sonhos lúcidos.

São salas trancadas.
Corredores estreitos.
Caminhos escuros.

São linhas cruzadas.
Rostos esquecidos.
Vozes sutis.

São sorrisos vazios.
Acenos de longe.
Sinais do passado.

Eu me desfaço e me crio.
Peça por peça.
Mas não os acho.

Vasculho minhas sombras.
Procuro no espelho.
Mas não os vejo.

Passo por passo.
Toque por toque.
Esquadrinho cada canto de quem sou.

Letras que escrevi para ninguém.
Fotos que escondi no fundo da gaveta.

Estão lá, eu sei.
Esperando por mim.

Quem sabe, um dia, eu as encontre.
Todas elas.
Uma por uma.
As minhas partes perdidas.
A minha imagem real.



segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Ela era oceano, ele era rio


Estavam apaixonados. Davi e Jasmin estavam apaixonados. Difícil acreditar que estivessem, eram tão diferentes um do outro. Mas estavam. Davi e Jasmim estavam apaixonados.

Ela era dois anos mais nova do que ele. Ele era um amante da ciência. Ela era espiritualizada até a raiz do fios dos cabelos castanhos. Ele sofria por não conseguir vislumbrar um futuro para os dois. Ela vivia feliz com cada momento que estavam juntos.

Eram um casal improvável.

Jasmin era oceano. Aberta, livre, sem limites e sem destino. Queria ser. Em plenitude.

Davi era rio. Consciente de suas margens, buscava avançar, descobrir algo novo na próxima curva.

A paixão os pegou de repente. Sem aviso algum, sem sequer um sinal discreto. Conheciam-se há alguns anos já. Haviam trocado poucas palavras. Nada demais.

Uma certa noite, um temporal, guarda-chuva e sombrinha esquecidos em casa. Lá estavam eles, dois quase desconhecidos, parados, inertes, junto à portaria da faculdade.

Por um momento, houve certo desconforto. Perceberam que estavam próximos demais um do outro. Um passo curto para lado.

A chuva cada vez mais forte e nenhum sinal de que iria parar tão cedo. Os minutos passando e se tornando hora.

Com a noite sendo cada vez mais noite, a faculdade foi esvaziando. Uns saíram em grupos, outros, sozinhos. Eles, seguiam ali.

Davi não queria se molhar. Tinha medo de pegar um resfriado, depois, uma gripe, e, depois, uma pneumonia. Ele tinha a saúde um tanto quanto frágil.

Jasmim não tinha pressa. Contemplava encantada os clarões iluminando o céu noturno, e os sons e cheiros que a água explodindo em fúria no chão lhe proporcionava.

Eram rio e oceano.

As luzes foram desligadas.

Davi se sentou no degrau que dava para a rua.

Jasmim fez o mesmo.

Ficaram ali. Sentados. Lado a lado.

A chuva foi enfraquecendo. O silêncio, aumentando.

Davi estava prestes a se levantar e seguir caminho para casa quando sentiu Jasmin se aproximar e apoiar a cabeça sobre o seu ombro esquerdo.

Pronto. Estava feito.

Moça e rapaz, sentados no degrau da entrada da faculdade em uma noite chuvosa.

Foi assim que aconteceu.

Muita coisa se passou desde aquele dia. Se conheceram, se aproximaram, contaram histórias – e até segredos.

Tornaram-se amigos muito próximos.

Ele sabia que ela adorava ouvir heavy metal. Ela sabia que ele chorava toda vez que assistia ET na Sessão da Tarde. Ele sabia que ela fazia barulhos estranhos ao dormir. Ela sabia que ele nunca conseguiu andar de bicicleta.

Sabiam muito um sobre o outro.

Só não sabiam que iriam se apaixonar.

Davi se deu conta disso quando se pegou escrevendo o nome dela repetidas vezes em uma folha do caderno no meio de uma aula de Economia.

Jasmim, por sua vez, percebeu na noite em que ele não lhe mandou uma mensagem sequer pelo celular e ela sentiu um aperto no peito que há muito não sentia.

Assim, apaixonados, ambos, tentavam lidar com seus sentimentos sem fazer com que a amizade pudesse ser afetada.

Queriam mais, entretanto, temiam perder o que já tinham.

O dilema clichê. Sempre ele.

A diferença no caso de Davi e Jasmim é que ela era oceano e ele era rio.

Cada um ao seu modo – às vezes onda tranquila, às vezes correnteza bravia –, trataram de encontrar meios de obter aquilo que queriam.

Davi decidiu ser discreto em suas investidas. Iria mais insinuar do que fazer, deixar nas entrelinhas do que dizer. Aos poucos, pensava ele, iria cimentar um caminho que o levaria para dentro do coração dela.

Jasmim tinha mais pressa. Queria viver aquilo o quanto antes. Sua paixão era urgente. Teria, assim, de agir, mas na medida certa, sem errar o tom, sem correr o risco de, pressionando-o, fazê-lo se afastar.

Com o final do semestre se aproximando, e junto dele a formatura em Engenharia, Davi achou que convidá-la para a festa da turma de formandos seria uma boa oportunidade para colocar em prática seu plano.

Com o final do semestre se aproximando, e junto dele o fim da convivência diária entre os dois, Jasmin achou que ir na festa da turma de formandos seria a oportunidade perfeita para dar o passo seguinte.

Sem saber que ela iria de qualquer maneira, ele a convidou. Sem saber os motivos do convite, ela aceitou na hora.

Davi fora o maior incentivador para que a festa fosse um baile e não uma balada. Smokings e vestidos longos. Banda no palco tocando música para dançar em par. Queria Jasmin como sua companhia durante toda a noite. Tinha imaginado tudo. Primeiro a dança. Depois, uma caminhada pelo jardim do clube e, por fim, um beijo apaixonado sob a luz das estrelas. Ele era um romântico. Sempre fora.

Jasmin imaginava que, lá pela terceira música – quem sabe, meados da segunda –, o clima estaria pronto para um beijo. Assim, poderiam curtir juntos, já como um casal, o resto da noite. A vida é curta demais para esperar pelo momento perfeito. Para ela, o momento perfeito é o agora. Sempre o agora.

Que linda noite aquela do baile com o qual Davi e Jasmin haviam sonhado durante toda a semana. Um céu sem nuvens revelava pingos brilhantes na escura imensidão do cosmos.

Quando ela surgiu na portaria do prédio, ostentando no corpo um vestido preto que só não brilhava mais que seus grandes olhos castanhos, ele ficou paralisado. Ela caminhou até ele e lhe fez uma pergunta.

- Estou bonita?

Ele se esforçou para sair de seu estado petrificado e respondeu com a voz firme.

- Mais que bonita. Estás poderosa.

Seguiram no banco de trás do carro que os levava. Jasmin, por ela, já o atacaria ali mesmo. Só não o fez por receio de o assustar. Davi, por sua vez, sentia as palmas das mãos suarem e lutava contar seu pé esquerdo que, ritmadamente, batia no chão impedindo que ele disfarçasse seu nervosismo.

O salão, adornado por luzes pendentes, tinha um perfume de flores do campo.

- Sentiste o perfume? São flores do campo –, disse ele junto ao ouvido dela.

Ela não havia sentido, mas achou aquilo fofo.

O baile fora ótimo. A banda era boa, as pessoas estavam animadas, a bebida, gelada, e a noite, calorosa.

As coisas para Davi e Jasmin, porém, não se deram do modo como eles esperavam. Ela não o beijara na terceira música. Ele não a levara para caminhar pelos jardins.

Já era madrugada e os últimos acordes dos músicos no palco deram fim à festa. Restara apenas o burburinho dos jovens remanescentes cansados e a pista de dança repleta de copos plásticos jogados ao chão.

Davi e Jasmin estavam frustrados.

Quase tristes.

Não entendiam o porquê de nada do que planejaram ter acontecido.

Estava tudo tão claro em suas cabeças.

Foram embora. Davi a deixou em casa. Um abraço e um beijo no rosto antes de dar as costas à garota por quem estava completamente apaixonado. Jasmin ficou em pé junto à portaria olhando o carro se afastar. Uma solitária lágrima rolou por seu rosto.

Sentado no banco de trás, Davi ia para casa com um sentimento estranho lhe apertando o peito. Não era dor, mas um incômodo que crescia a cada metro de asfalto que o veículo deixava para trás. Algo estava muito errado.

Deitada na cama, o olhar distante de Jasmin em direção ao teto do quarto denunciava seu estado de espírito. Não era tristeza, mas um vazio que embaralhou as cartas do jogo da sua vida. Algo, definitivamente, estava errado.

Não foi preciso mais do que alguns poucos minutos, entretanto, para que, no mesmo instante, como que movidos por uma força que os unia além da presença física, algum tipo de energia presente em ambos, se dessem conta do que estavam fazendo e, de um pulo, tomassem as rédeas do destino nas mãos e assumissem o controle daquela história.

Davi mandou o motorista dar meia volta e fincar o pé no acelerador. Jasmin ergueu-se, pegou a chave da porta do apartamento, e, descalça, desceu correndo as escadas.

O som dos pés dela nos corredores do prédio e o barulho do cantar dos pneus do carro a cada curva, se unidos, formariam uma sinfonia única, uma melodia composta só para eles dois.

Jasmim puxou a porta de entrada. Davi empurrou a porta do carro.

Jasmim ganhou a rua, sentindo as pedras machucarem seus pés. Davi, atravessou a rua sem olhar para os lados.

Os passos se tornaram mais rápidos e, de repente, cessaram. Ficaram estáticos, ambos.

Estavam frente a frente. Os olhos de um, nos olhos do outro.

Nenhuma palavra foi dita. Não foi necessário dizê-las.

Beijaram o beijo mais cheio de paixão que já foi beijado.

A madrugada caminhou para o seu fim, o sol surgia tímido, a escuridão despedia-se e dava lugar à luz da manhã.

Já em suas casas novamente, os dois não conseguiram dormir nem por um momento sequer naquele dia. Refletindo sobre tudo o que acontecera nas últimas horas, descobriram, assim, Davi e Jasmim, qual fora o erro que cometeram, o qual ainda tiveram tempo de corrigir: paixão não combina com planejamento. Paixão é loucura, instinto. Paixão é fazer antes de pensar. Paixão é calor, planejamento é frio.

Ela era oceano.

Ele era rio.

segunda-feira, 5 de agosto de 2019


JORNADA


Ele olhou nos olhos dela.
E disse.

“Quero ser brisa. Com você. Quero ser brisa com você.”

Juntos, fizeram-se aragem.
Sopraram forte, nas madrugadas.
Correram suaves, pelas manhãs.
Juntos.
Foram vento de primavera.

Raio.
Fúria.
Clarão.
Rugiu o trovão.
Já eram tempestade.

Fortes. Quentes.
Caíram vivos sobre a terra.

Escorreram. Fluíram.
Brotaram verdes em uma tarde de domingo.

“Você se lembra do dia em que nos conhecemos? Consegue lembrar?”, ela perguntou.

Cresceram.
Eram caule. Eram folha. Eram ramo.
Eram flor, ao amanhecer.

Primeiro, vermelha. Depois, amarela. E lilás. E rosa.
E todas as cores.
Juntos.

E viram o cinza lá nas nuvens.
E misturaram-se com os pingos de chuva.
Fizeram-se água.
Percorreram trilhas e canais. Seguiram.

Eram rio.

“Eu sinto”, ele respondeu.

Cruzaram terras distantes.
Semearam vida em campos secos.
Saciaram os que tinham sede.

Renasceram.
Já eram pássaro.

E dominaram os céus.
Riscaram o azul.
Amanhecer nos lagos do Norte.
Anoitecer nos mares do Sul.

Donos do mundo.
Tomaram o tempo para si.
Não havia mais tempo.
Tudo era para sempre.
O instante. O momento. O agora. O antes. O depois.
Tudo era para sempre.

“Eu vou te amar até enquanto eu respirar”, ela falou.

E subiram. Subiram. Subiram. Subiram.
Romperam as barreiras.
Eram estrela.

E brilharam. Brilharam. Brilharam. Brilharam.
Iluminaram a noite escura.
Guiaram os espíritos perdidos.
Velaram o sono dos poetas.

Aproximaram-se.
Uniram-se ainda mais.
Eram luz.

Percorreram as galáxias.
Velozes. Indômitos.
Fizeram do universo o seu quintal.
Alcançaram o infinito.

“Eu vou ser o ar que tu respiras”, ele disse.

Voltaram ao início.
Estavam em casa.
Olhos nos olhos.
Caíram sobre a pele.

Eram lágrima.

Retrato sobre a mesa.
Toque das mãos.
Abraço apertado.

Gota final.


sábado, 29 de junho de 2019

Relato de uma cena em um final de sábado


Em pé enquanto esperam um ônibus que custa chegar em uma noite chuvosa de sábado em Porto Alegre, um casal discute a relação. Falam em tom de voz normal sem se preocupar se estavam sendo ouvidos por mim, que fazia companhia a eles já há um bom tempo.

– Tu não disseste que tinha me esquecido? – diz ela.

– Tu não podes levar a sério o que eu falo quando estou magoado – responde ele.

Foi possível ouvir apenas isso antes de os dois embarcarem no coletivo que encostou junto ao meio-fio da calçada espirrando água na minha calça jeans.

Sozinho no ponto de ônibus, peguei-me pensando o seguinte: moça, nós, humanos, nunca esquecemos. A gente não esquece quando fica em silêncio e não esquece quando diz que esqueceu.

A gente principalmente não esquece quando diz que esqueceu.