segunda-feira, 11 de abril de 2011

Breve relato de uma viagem de ônibus


“Atualmente, depois de tantas eras de experiência, o que conhecemos da natureza, ou de nós mesmos? O homem não deu sequer o primeiro passo no sentido de solucionar o problema de seu destino. O universo humano inteiro permanece condenado à insanidade.”

Ralph Waldo Emerson



Lá vou eu. Óculos escuros, mochila no ombro e rock nos fones de ouvido. Entro no ônibus, dirigindo-me para o trabalho, e percebo um comportamento “anormal” do casal sentado no banco à minha frente. Pause na música para ver o que ocorria. Discutiam a relação. Stop no som, fone nas mãos. Resolvi acompanhar o que estava se passando. Uma experiência antropológica. Foram 20 minutos ouvindo a discussão dos dois. Não foi preciso mais do que cinco minutos, porém, para diagnosticar o que estava faltando naquela relação conflituosa: comunicação.

Em vinte minutos de observação não é possível fazer uma análise muito profunda. Entretanto, ficou deveras claro que o problema advinha muito da essência de ambos, da natureza própria que diferencia homens de mulheres. Ela necessitava falar, dizer para ele todas as coisas que a estavam incomodando e, consequentemente, minando o namoro. Ele, com a característica postura de superioridade masculina quando este assunto está em discussão, interrompia-a a todo o momento, não deixando ela se expressar.

Era evidente a qualquer um que observava a cena que ela gostava muito dele, amava-o, provavelmente. O sentimento dele em relação a ela, novamente devido ao comportamento típico masculino, era mais difícil de ser identificado.

Senti muita vontade de intervir na conversa, diversas vezes áspera e em alto tom de voz, e dizer pra ele calar a boca e ouvi-la. Ouvi-la em silêncio, ponderar sobre as palavras dela e, depois, contra-argumentar, se fosse o caso. Mas não me senti no direito.

Impressiona-me como uma coisa tão básica como isso, a comunicação, ou a falta dela, faz com que castelos de sonhos desmoronem. E o que é pior, desmoronem lentamente, dolorosamente, deixando fortes marcas nas pessoas envolvidas.

Saber ouvir. Esse é um segredo básico, mas fundamental em qualquer tipo de relação. Olhar para o outro, escutar o que o outro tem a dizer. Às vezes, o outro só quer isso, ser ouvido. Não quer ser compreendido e muito menos entendido, quer ser ouvido.

Tentar entender, aliás, é uma batalha perdida, sempre. Não há como entender o outro. Não há como entender o outro pelo simples fato de que você vai ver com os seus olhos a realidade que o outro lhe apresenta, e não com os olhos dele. Compreender é possível, apesar de não ser fácil. No momento em que há um conflito, então, fica muito mais difícil, na medida em que ambos estão vibrando em sintonias diferentes.

Ouvir e tentar compreender.

Ele não ouvia o que ela tinha para falar e refutava com palavras proferidas para menosprezá-la. Isso a deixava ainda mais nervosa. E ele parecia se sentir, a cada minuto que passava, em um degrau mais alto, olhando para ela lá embaixo.

Os homens são idiotas por natureza.

A essência masculina é a da simplificação de questões complexas e a da complexização de questões simples. Algumas mulheres percebem isso e passam a interpretar as posições masculinas de uma maneira mais adequada à natureza dele.

Os homens são simplórios. E isso não pode ser considerado um defeito. Quase todos são assim. É evidente que existem exceções. A maioria delas, porém, parece ser uma exceção, mas não é. Basta algum período de convivência, curto que seja, e o cromossomo Y mostra que está lá. Sempre esteve lá. E que o instinto ainda se mantém soberano.

Entretanto, como disse, existem exceções. Verdadeiras exceções. São poucas, mas existem. Não perca as esperanças, pois, querida leitora. Nunca sabemos o que nos espera ao dobrarmos a próxima esquina.

A viagem se encaminhava para o fim. Levantei-me do banco e me dirigi para a porta do ônibus. Dei uma discreta olhada para os dois. Os olhos dela estavam marejados. Mas ela não chorava. Ele mantinha aquele olhar blasé de quem se sente superior.

Desci.

Caminhando, pensei em como, apesar de centenas de milhares de anos de evolução, os humanos seguem sofrendo por situações tão singelas, as quais a solução já deveria ter sido internalizada por todos. E pensei que talvez não tenhamos evoluído tanto assim. Pelo menos não naquilo que deveria ser o mais importante. Na relação com o outro.