quinta-feira, 18 de julho de 2013

Era uma vez, no verão de 1969

Ela (foto by Vernom Merritt III - Life)

Eu me apaixonei por ela. Por Deus, como ela é bela. Eu me apaixonei por tudo nela. Apaixonei-me por seu jeito de andar despreocupado, leve. Eu me apaixonei pelo seu vestir, sua minissaia lilás que deixa seus joelhos e parte das suas coxas à mostra, sua blusa branca rendada, suas sandálias de guria brejeira, os óculos escuros no alto da cabeça. Eu me apaixonei por sua mão direita às costas carregando uma bolsa e por sua mão esquerda pendente levando um jornal. O que será que ela gosta de ler? Será a seção de moda? Ou a de esportes? Ou seria o noticiário internacional? Ahh... como eu gostaria de saber. Ela tem cabelos lisos castanhos. Não são cabelos muito longos, nem muito curtos. Eles estão logo abaixo dos ombros e balançam a cada passo que ela dá. E ela caminha. Todos olham para ela. Ela sabe que todos estão olhando. Ela gosta disso. Ela faz das ruas a sua passarela. E ela desfila. Ela é como uma deusa entre os mortais. Eu a vejo assim, pelo menos. Mas eu estou apaixonado. E o olhar de um apaixonado é sempre mais colorido, mais doce. Deem esse desconto, portanto.

Twiggy
Ela recém saiu de um café, onde folheara o periódico e olhara o vai e vem das pessoas lá fora. Acho que é o seu dia de folga no trabalho. Ela acordou cedo, tomou um banho morno, quase frio, vestiu-se e saiu. Ela mora em um apartamento modesto. Um quarto, sala, cozinha e banheiro. Tudo naquele apartamento é ela. Aquele apartamento é único em toda a metrópole. Que bom gosto na decoração, com toques retrô e, ao mesmo tempo, super contemporâneo. No café, ela folheou o jornal e leu as notícias da guerra. Ela não gosta da guerra. Ela não gosta nem um pouco. Ela tomou o seu café, pagou a conta e saiu andando. (o atendente cochichou para o colega que nunca vira uma mulher tão bonita por aquelas bandas).

Ela sente o sol banhar seu corpo e fica feliz por ter escolhido a minissaia lilás. É um bom dia para bronzear as pernas. Ela passa por um muro e vê um cartaz, anunciando um grande festival de música e arte que irá acontecer no próximo mês no Estado. “Parece que vai ser legal”, ela diz para si mesma. Ela segue caminhando e chega ao parque. Como ela gosta daquele parque. Ela percorre algumas trilhas e senta em um banco. Olha as pessoas passarem e os pombos comendo migalhas de pão que um senhorzinho com um chapéu na cabeça e um saco de papel na mão jogou. Olha um menino correndo atrás de sua irmã. Eles estavam brincando. Ela também brincou assim naquele parque quando era criança. Ela se levanta e segue seu passeio. O dia continua perfeito.

The who
Ela para em uma livraria e dá uma olhada nas novidades. Nada muito interessante. Pensou em ir ao cinema, mas desistiu. Um filme sobre uns motociclistas a interessava, mas o dia estava muito bonito ali fora para se gastar duas horas dentro de uma sala escura. Na rua, ela ouviu as pessoas conversando. O assunto era quase sempre o mesmo. Diziam que, nos próximos dias, um foguete iria levar o homem à lua. Algumas pessoas achavam aquilo o máximo e outras duvidavam. Ela acreditava que iria acontecer, mas não achava nada demais.

Ela gosta de ouvir The Who. Ela gosta de Walt Whitman e de Emily Dickinson. Ela não gosta muito da Twiggy, pois acha ela magra demais. Ela gosta de sorvete de baunilha e do Marvin GayeEla gosta de ir aos jogos do New York Nicks no Madison Square Garden.

Dois rapazes, estudantes, eu acho, deram uma bela olhada quando ela passou. Um deles chegou a falar uma gracinha difícil de compreender. Ela passou e nem olhou para o lado. Apenas deu um sorriso discreto. Seguiu altiva. Cabeça erguida e cabelos balançando. Ela enxerga uma amiga ao longe, mas atravessa a rua e entra na primeira transversal. Ela não queria conversar naquela tarde. Fazia muito calor e aquele era um dia para ver, não para falar. E ela olhava tudo. Olhos bem abertos. E ela viu gente e viu coisas. E viu um cachorrinho perdido e um papagaio em uma gaiola na janela do terceiro andar de um prédio bem antigo. E viu uma plantinha verde brotando em uma rachadura na calçada. E viu um jovem casal tendo uma discussão e um velho casal de mãos dadas cruzando a avenida. Ela gostou disso.

As horas passaram bem rápido naquele dia. Ela nem percebeu, mas o tempo correu e correu e, quando deu por si, a tarde se encaminhava para o final. Seus pés já doíam um pouco. Aquela sandália não foi a melhor pedida para quem pretendia apenas caminhar. Um tênis seria melhor. Ela espera se lembrar disso da próxima vez. E, então, ela resolveu voltar para casa. Com a mão direita levando a bolsa às costas e a esquerda pendente, levando o jornal. Assim ela desfilou e a cidade parou para vê-la passar.

New York Knicks
Há 44 anos, ela passeava pelas ruas nova-iorquinas. E eu me apaixonei por ela. Hoje, ela continua jovem na imagem da fotografia. Onde será que ela anda? Como será que ela está? Eu acho que ela ainda se move pelas ruas da cidade. Prefiro pensar assim. E as pessoas ainda olham para ela. Como ela é bela... como eu gostaria de tê-la visto passar perto de mim. Eu acho que a cidade ainda para quando ela está por aí, desfilando. E os lugares por onde ela passa recendem a perfume de jasmim.

As ruas da cidade e ela são um só. Eles se misturam, se completam, se refazem. Ela é a cidade e a cidade é ela. Que bela é aquela moça pela qual eu me apaixonei e que em um dia, no verão nova-iorquino de 1969, flanava, despreocupadamente, pelas ruas da cidade. Acho que ela ainda vai aos jogos do Knicks. 

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Lilás

Ela estava sentada à minha frente. Sentada à minha frente e de costas para mim. Ela estava sentada à minha frente. Três bancos à frente. Ela tinha cabelos negros como o carvão e brilhantes como um cometa. Ela vestia uma blusa de lã lilás. Eu só podia ver isso. Seus cabelos, seus ombros e uma parte da blusa de lã lilás. Ela olhava para a frente e para o lado esquerdo. Movia a cabeça com leveza para observar o movimento lá fora. Enquanto isso, o ônibus seguia. Éramos ela, eu e mais quatro pessoas. Não prestei atenção neles, mas vi que um usava boné. Passava das oito da noite. Eu levava os fones nos ouvidos, mas não escutava, de fato, música alguma. Não tenho a menor ideia do que tocou naqueles vinte minutos. O ônibus freou bruscamente e ela apoiou o braço esquerdo no banco da frente. Devia ser canhota. Fazia calor. A blusa dela era de mangas compridas. Talvez tivesse saído de casa bem cedo, quando a temperatura era mais baixa. Quando eu entrei no coletivo, ela já estava ali, sentada, sozinha. Eu não olhei pra ela. Acho que minha mochila escorregou do ombro e eu me atrapalhei um pouco para não deixar que ela caísse no chão. Quando dei por mim, estava sentado. Atrás dela. Sentado três bancos atrás dela. O ônibus andou e andou e eu tive de me levantar. Puxei a corda da campainha e fiquei junto à porta. Olhando para aqueles cabelos negros. Ela não prestou atenção em mim. Para falar a verdade, acho que ela nem me viu. Não importa. Coloquei a mochila às costas e aguardei o veículo parar. A porta se abriu. Desci um degrau. Voltei a olhar pra ela. Desembarquei. O ônibus se foi. Acho que nunca mais vou reencontrá-la. Andei. Fazia calor naquela noite.


Eu não vi os seus olhos.


Ela vestia uma blusa lilás. Uma blusa de lã. Lilás.