Ela estava sentada à minha frente. Sentada à minha frente e
de costas para mim. Ela estava sentada à minha frente. Três bancos à frente.
Ela tinha cabelos negros como o carvão e brilhantes como um cometa. Ela vestia
uma blusa de lã lilás. Eu só podia ver isso. Seus cabelos, seus ombros e uma
parte da blusa de lã lilás. Ela olhava para a frente e para o lado esquerdo. Movia
a cabeça com leveza para observar o movimento lá fora. Enquanto isso, o ônibus
seguia. Éramos ela, eu e mais quatro pessoas. Não prestei atenção neles, mas vi
que um usava boné. Passava das oito da noite. Eu levava os fones nos ouvidos,
mas não escutava, de fato, música alguma. Não tenho a menor ideia do que tocou
naqueles vinte minutos. O ônibus freou bruscamente e ela apoiou o braço
esquerdo no banco da frente. Devia ser canhota. Fazia calor. A blusa dela era
de mangas compridas. Talvez tivesse saído de casa bem cedo, quando a
temperatura era mais baixa. Quando eu entrei no coletivo, ela já estava ali,
sentada, sozinha. Eu não olhei pra ela. Acho que minha mochila escorregou do
ombro e eu me atrapalhei um pouco para não deixar que ela caísse no chão. Quando
dei por mim, estava sentado. Atrás dela. Sentado três bancos atrás dela. O ônibus
andou e andou e eu tive de me levantar. Puxei a corda da campainha e fiquei
junto à porta. Olhando para aqueles cabelos negros. Ela não prestou atenção em mim. Para falar a
verdade, acho que ela nem me viu. Não importa. Coloquei a mochila às costas e
aguardei o veículo parar. A porta se abriu. Desci um degrau. Voltei a olhar pra
ela. Desembarquei. O ônibus se foi. Acho que nunca mais vou reencontrá-la. Andei. Fazia
calor naquela noite.
Eu não vi os seus olhos.
Ela vestia uma blusa lilás. Uma blusa de lã. Lilás.
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