sábado, 26 de setembro de 2009

"É um assunto de classe"

Noam Chomsky é mestre. Depois que li “O Lucro ou as Pessoas?” para fazer meu trabalho de conclusão de curso passei a me interessar bastante pelos seus escritos e opiniões. Passando por alguns site na Internet achei uma entrevista dele ao jornal mexicano La Jornada, reproduzida pela Agência Carta Maior. Destaco um trecho em especial. Em época de campanhas contra as drogas, especialmente uma delas, vale a pena dar uma lida. O texto completo pode ser lido aqui.

A guerra contra o narcotráfico
Noam Chomsky

A guerra contra a droga, que se espalha por vários países da América Latina, entre eles o México, tem velhos antecedentes. Revitalizada por Nixon, foi um esforço para superar os efeitos da guerra do Vietnã, nos EUA. A guerra foi um fator que levou a uma importante revolução cultural nos anos 60, a qual civilizou o país: direitos da mulher, direitos civis. Ou seja, democratizou o território, aterrorizando as elites. A última coisa que desejavam era a democracia, os direitos da população, etc., razão pela qual lançaram uma enorme contraofensiva. Parte dela foi a guerra contra as drogas.
Ela foi desenhada para transportar a concepção da guerra do Vietnã: do que nós estávamos fazendo aos vietnamitas ao que eles não estavam fazendo a nós. O grande tema no final dos anos 60 nos meios de comunicação, inclusive os liberais, foi que a guerra do Vietnã foi uma guerra contra os EUA. Os vietnamitas estavam destruindo nosso país com drogas. Foi um mito fabricado pelos meios de comunicação nos filmes e na imprensa. Inventou-se a história de um exército cheio de soldados viciados em drogas que, ao regressar para casa, converteram-se em delinquentes, aterrorizando nossas cidades. Sim, havia uso de drogas entre os militares, mas não era muito diferente do que existia em outros setores da sociedade. Foi um mito fabricado. É disso que se tratava a guerra contra as drogas. Assim se mudou a concepção da guerra do Vietnã, transformando-a em uma guerra na qual nós éramos as vítimas.
Isso se encaixou muito bem com as campanhas em favor da lei e da ordem. Dizia-se que nossas cidades se desgarravam por causa do movimento anti-guerra e dos rebeldes culturais, e que por isso era preciso impor a lei e a ordem. Ali cabia a guerra contra a droga.
Reagan ampliou-a de maneira significativa. Nos primeiros anos de sua administração intensificou-se a campanha, acusando os comunistas de promover o consumo de drogas. No início dos anos 80, os funcionários que levavam a sério a guerra contra as drogas descobriram um incremento significativo e inexplicável de fundos em bancos do sul da Flórida. Lançaram uma campanha para detê-lo. A Casa Branca interveio e suspendeu a campanha. Quem o fez? George Bush pai, neste período o encarregado da guerra contra as drogas. Foi quando a taxa de prisões aumentou de maneira significativa, principalmente a prisão de negros. Agora o número de prisioneiros per capita é o mais alto do mundo. No entanto, a taxa de criminalidade é quase igual a dos outros países. É um controle sobre parte da população. É um assunto de classe. (grifo meu)
A guerra contra as drogas, como outras políticas, promovidas tanto por liberais como por conservadores, é uma tentativa para controlar a democratização das forças sociais. (grifo meu)
Há alguns dias, o Departamento de Estado emitiu sua certificação de cooperação na luta contra as drogas. Os três países que foram “descertificados” são Myamar, uma ditadura militar – não importa, está apoiada por empresas petroleiras ocidentais -, Venezuela e Bolívia, que são inimigos dos EUA. Nem México, nem Colômbia, nem Estados Unidos, em todos os quais há narcotráfico.