sábado, 24 de julho de 2010

Parado na Idade Média

Religião é um assunto deveras complicado de se discutir. Porém, ao contrário do que diz o clichê popular, acho que se deve discutir sobre religião. E acho que se deve discutir o papel da religião principalmente quando a cegueira que afeta alguns seguidores de crenças ou, o que é ainda pior, a cegueira que afeta líderes religiosos faz com que eles passem a adotar um posicionamento totalmente contrário ao que podemos chamar de “práticas sociais para a pacífica convivência”. Alguns reuniriam essas seis palavras e as transformariam e outra, “tolerância”. Não gosto muito do uso que se dá à essa palavra (apesar de, às vezes, acabar caindo na armadilha de usá-la nesse sentido). Não se deve ser tolerante, se deve ser respeitoso. E isso é bem diferente.
Voltando ao motivo deste post, não posso admitir e aceitar solenemente que líderes religiosos utilizem a fé como pretexto para expressarem suas raivosas e reacionárias posições pessoais. E quando falo isso, me refiro especificamente ao arcebispo de Porto Alegre, Dom Dadeus Grings. D. Dadeus tem semanalmente uma coluna no Jornal do Comércio. Nas duas últimas quintas-feiras ele escreveu sobre a pedofilia. Eu não tenho dúvidas de que, se qualquer outra pessoa escrevesse o que ele escreveu, já estaria sendo alvo de diversos processos judiciais. Pelo que sei, D. Dadeus não está sendo processado. Aliás, me surpreendeu bastante o fato de os textos dele não terem repercutido. Estranho.
Bom, para exemplificar o que estou dizendo pincei alguns trechos das duas colunas, publicadas nos dias 15 e 22 de julho.

“Dificilmente passa dia em que não apareçam notícias comprometedoras contra a Igreja Católica. O calcanhar de Aquiles é a pedofilia. O que está por detrás destas acusações? Quais as lições que devemos tirar delas? É verdade o que se noticia? O que se visa com esta campanha difamatória? Por que se quer tirar os crucifixos das repartições públicas, acabando com uma tradição milenar? Por que se pretende eliminar os sinais do sagrado na sociedade? Por que se quer apagar da memória a fecunda atuação da Igreja no Brasil, que moldou nossa cultura? Por que se combate a pedofilia, mas se promove o aborto, o divórcio, a homossexualidade, a corrupção?”

Esse é o primeiro parágrafo do texto publicado no dia 15 de julho.Todo ele é uma “obra”. Frisei três frases que são algo que não se pode admitir mais que alguém profira sem ser duramente questionado sobre as razões de tais afirmações. O religioso reclama da retirada de crucifixos de repartições públicas e pergunta “porque se pretende eliminar os sinais do sagrado na sociedade”. Primeiro, o Brasil não tem uma religião oficial, os órgão públicos não podem ostentar símbolos de uma só religião. Isso é um desrespeito a todas as outras e, como não dá para transformar todos os prédios públicos em centros ecumênicos, que a religião não esteja dentro deles. Segundo, para quem esses sinais são sagrados? Só para os católicos. A sociedade não é católica. Eles, portanto, não são sagrados para a sociedade. O último questionamento que D. Dadeus no começo de seu texto é o mais impressionante de todos. Como que alguém fala uma coisa dessas é não recebe duras críticas? Notem bem, na mesma frase, o arcebispo de Porto Alegre questiona o combate à pedofilia e criminaliza o divórcio e o homossexualismo comparando-os à corrupção e à própria pedofilia. Isso sem falar no fato de comparar tudo isso.

Como já disse em outro lugar, é por coisas como essa que, apesar de continuar sendo cristão, sou cada vez menos católico. Vale ressaltar, porém, que o pensamento atrasado, arcaico, sexista, extremamente preconceituoso, é o pensamento de um líder católico, mas é, também, o pensamento de uma pessoa. A religião não é a única responsável. É muito responsável, mas não é a única.

Vamos a outro trecho.

“Se a Igreja reconhece que há crimes de pedofilia em seu meio, apesar de todos os seus cuidados, por que se fala de perseguição da imprensa? A resposta é óbvia: a denúncia se faz não contra a pedofilia, mas contra a Igreja. A estatística mostra que os casos que envolvem o clero católico representam minguados 0,2% do total da pedofilia em cada nação. Por que se dá tanta importância e se insiste nestes 0,2%, esquecendo os 99,8% dos casos? É sabido que o número de casos que envolvem o clero é muito inferior aos das outras categorias. Por que estes não são denunciados na mesma proporção?”

Aqui vemos o arcebispo tentando reverter o quadro e transformar a igreja em vítima. D. Dadeus classifica os abusos cometidos por padres católicos como “minguados 0,2%”, tentando tirar a importância dos crimes praticados. Depois, ele escreve “É sabido que o número de casos que envolvem o clero é muito inferior aos das outras categorias. Por que estes não são denunciados na mesma proporção?”. Eu respondo para ele. Os jornalistas pedófilos, os advogados pedófilos, os engenheiros pedófilos, os arquitetos pedófilos, os garis pedófilos, não se utilizam de sua atuação profissional para cometerem os crimes contra as crianças. Os padres sim.








Na Idade Média, a igreja mandava, desmandava e queimava quem ousava se contrapor a ela.








Vamos analisar agora o que D. Dadeus Grings escreveu em sua segunda coluna, publicada no dia 22 de julho. Vejamos alguns trechos do texto.

“Em primeiro lugar a palavra “pedofilia”, literalmente, significa amor pelas crianças, que todos devem ter, amor puro, inocente... Mas na prática pedofilia ficou ligada ao sexo. E, como é óbvio, denota abuso grave. Numa sociedade pansessexualista é difícil determinar limites.”

Aqui, o religioso apela para a origem da palavra para tentar explicar o inexplicável. A última frase é outra pérola. A igreja oprimiu as pessoas por muito tempo. Esse tempo acabou e o arcebispo lamenta que a Santa Sé não possa mais determinar o que se pode e o que não se pode fazer.

“Em terceiro lugar está a cultura da permissividade, promovida pelos meios de comunicação. Quando se lançam campanhas sistemáticas, propagam-se cenas de sexo e se afirma oficialmente que “em matéria de sexo não há certo e errado”, o que se pode esperar de bom para o comportamento humano? Beira ao cinismo, com flagrante contradição, denunciar crimes de pedofilia e alardear plena liberdade no uso da sexualidade.”

Se você não se restringe às práticas sexuais aceitas pela Igreja (ou seja, ser casado e só fazer sexo com sua esposa ou esposo quando quiser procriar) e ao mesmo tempo é contra a pedofilia você é um cínico. É isso o que o arcebispo fala na frase grifada.

Para finalizar, D. Dadeus diz o seguinte:

“Chegou a hora de a humanidade inteira se reconhecer pecadora, também no plano da pedofilia, e pedir perdão e reconciliar-se.”

Não. A humanidade inteira não. Eu não sou pedófilo, D. Dadeus, e, por isso, não tenho de pedir perdão por nada relacionado a essa abominável prática criminosa.
O líder da igreja católica no Estado parou na Idade Média. E sente falta daqueles tempos de glória. Ainda bem que a igreja não manda mais em nada. Ainda bem.


PS: para ler os textos na íntegra, clique aqui e aqui.

domingo, 18 de julho de 2010

O entrevistador, a entrevista e o entrevistado

Para celebrar a nova cara do blog, posto aqui um texto que achei beeem legal. Dando uma olhada no site da Folha encontrei esse texto que está abaixo. Um ensaio inédito do escritor norte-americano Mark Twain (1835-1910), divulgado somente na semana passada. Bem interessante para quem é jornalista dar uma refletida.

Esse é o Mark Twain.
Somente pelo cabelo desgrenhado, pelo bigode e pelo cachimbo, já valeria a leitura.



"Ninguém gosta de ser entrevistado, mas ninguém gosta de dizer não, pois os entrevistadores são corteses e gentis, mesmo quando têm o propósito de destruir. Não me entendam mal: não estou dizendo que sempre chegam com a intenção deliberada de destruir, ou que só depois percebam ter destruído; não, acho que a atitude deles tem mais a ver com a de um ciclone, que chega com o propósito ameno de refrescar um vilarejo sufocante e depois não se dá conta de que fez tudo ao vilarejo, menos um favor.
O entrevistador espalha você para todos os lados, mas não passa pela cabeça dele que você possa considerar isso uma desvantagem. Quem culpa um ciclone só faz isso por não atinar que massas compactas não são exatamente a ideia que um ciclone faz da simetria. Aqueles que se queixam de um entrevistador fazem isso por não ponderar que, afinal de contas, ele não passa de um ciclone, ainda que disfarçado de Deus, como o restante de nós; ele não tem consciência da devastação, nem mesmo quando varre o continente com os nossos despojos e acredita que está tornando nossa vida mais agradável; e que, portanto, espera ser julgado por suas intenções, e não por suas realizações.

TEMOR
A entrevista não foi uma invenção feliz. Talvez seja a maneira mais precária de alcançar o âmago de um homem. Em primeiro lugar, o entrevistador não tem nada de estimulante, pois inspira temor. Você sabe pela experiência que não tem escolha diante do desastre. Não importa o que ele ponha na entrevista, você logo vê que teria sido melhor se tivesse posto outra coisa: não que aquilo fosse melhor do que isto, apenas não seria isto; e toda mudança deve ser, e seria, para melhor, ainda que, na realidade, você saiba muito bem que não é assim.
Talvez eu não tenha me expressado direito: nesse caso, então eu me expressei direito -algo que eu só conseguiria me expressando com pouca clareza, pois o que quero demonstrar é o que você sente nessa situação, e não o que pensa -pois você não pensa; não se trata de uma operação intelectual; você apenas anda em círculos, acéfalo.
Obtusamente, tudo o que você quer é não ter feito aquilo, mesmo que, na realidade, não saiba o que gostaria de ter deixado de fazer e, mais ainda, você não se importe: esse não é o ponto; você só queria não ter feito aquilo, seja lá o que for; uma vez feito, é uma questão sem importância e não vem mais ao caso. Dá para entender o que quero dizer? Você já passou por isso? Pois bem, é assim que alguém se sente ao ver sua entrevista publicada.

CONCHA
Pois é, você teme o entrevistador e isso não é estimulante. Você se fecha na sua concha; monta a guarda; tenta parecer inócuo; procura ser engenhoso e, sem nada dizer, faz rodeios e contorna o assunto; quando lê o resultado impresso, fica enojado ao notar como você se saiu bem.
O tempo todo, diante de cada nova pergunta, você está alerta para enxergar aonde o entrevistador está lhe conduzindo, a fim de frustrá-lo. Sobretudo quando o pega buscando sub-repticiamente levá-lo a dizer uma coisa engraçada. E é isso mesmo o que ele tenta fazer.
Ele demonstra isso de modo tão óbvio, empenha-se com tal franqueza e atrevimento que, já na primeira investida, o reservatório se fecha, e, na seguinte, se torna perfeitamente estanque. Não creio que, desde a invenção dessa prática sinistra, algo verdadeiramente bem-humorado tenha sido dito a um entrevistador.
No entanto, como ele precisa de algo "característico", só lhe resta contribuir, ele mesmo, com o humor, introduzindo-o aqui e ali durante a transcrição da entrevista. Esse humor é sempre esdrúxulo, muitas vezes palavroso e, em geral, formulado em "dialeto" -mesmo assim, um dialeto inexistente e inviável. Tal método já acabou com mais de um humorista. Mas não há aí nenhum mérito do entrevistador, afinal esta jamais foi a intenção dele.

EQUÍVOCO
São inúmeras as razões pelas quais a entrevista é um equívoco. Uma delas é que o entrevistador nunca parece refletir que, após ter aberto essa, aquela e mais outra torneira com sua profusão de perguntas, e ter descoberto qual delas jorra com mais abundância e interesse, o mais sensato seria restringir-se a ela e aproveitá-la ao máximo, deixando de lado as vacuidades já recolhidas.
Ele não pensa assim. Inevitavelmente interrompe a torrente, indagando sobre ainda outro assunto; e assim, de uma vez, desaparece, e para sempre, a sua única e débil oportunidade de conseguir algo que valha a pena levar para casa. Teria sido muito melhor ater-se ao assunto que despertou a loquacidade do entrevistado, mas é impossível convencê-lo disso.
Ele não consegue distinguir o momento em que você entrega o metal daquele em que o soterra com escória, entre o ouro e a borra; para ele, tudo se equivale, e ele inclui tudo o que você diz; depois, ao ver-se diante de tanta coisa imatura e imprestável, tenta remediar a situação incluindo algo de sua lavra que lhe pareça maduro, quando, na verdade, está podre. Sem dúvida, a intenção é boa, mas a do ciclone também.
Ora, as interrupções, o jeito de desviar você de um assunto para o outro, por fim têm um efeito muito grave: você está presente em cada tema, mas apenas em parte. Em geral, do que você pensa só consegue expor o suficiente para prejudicá-lo; jamais alcança aquele ponto em que pretendia explicar e justificar a sua posição."

Novo new look

Bom, como vocês já devem ter notado, o layout do blog mudou. Como diria um colega de redação, ele está com um novo new look. Desde 4 de abril de 2007, dia do primeiro post, ele era o mesmo. Apesar de gostar de antiguidades (Hebe Camargo, Susana Vieira e Ana Maria Braga não se enquadram nessa categoria), achei que já era tempo de uma mudança. O antigo já tinha me enchido o saco há algum tempo e achei esse bem bacana (eu diria, até, supimpa). Com isso, espero também voltar a escrever aqui com mais frequência (quando digo "com mais frequência" quero dizer sempre que tiver alguma coisa que ache interessante, uma frase que seja, ou uma foto, e não todos os dias só para marcar presença). É isso, espero que gostem.