sexta-feira, 11 de abril de 2014

Eu toquei suas mãos, mas ela não sentiu.


Eu estava no parque, sentado sozinho em um banco sem fazer nada. Estava apenas apreciando o vai e vem das pessoas. O céu estava nublado e nem um raio sequer de sol havia aparecido durante todo o dia. Pela manhã, tinha chovido e poças d’água refletiam o verde das folhas das árvores. Ventava fraco e estava um pouco frio, mas não muito.

Eu olhava um casal de velhinhos, cabelos brancos, costas curvadas, que caminhavam de mãos dadas. Eles pareciam felizes. Caminhavam tranquila e serenamente. Sem pressa alguma. E eu pensava em como o tempo é o tempo de cada um. E em como a percepção do tempo muda com o passar dos anos. Em como tudo desacelera e em como isso deve ser bom.

Foi aí, em meio ao meu devaneio, que ela surgiu. Chegou em silêncio e sentou-se ao meu lado. Ficou assim, em silêncio, por um ou dois minutos. Em seguida, desatou a chorar. Primeiro, com alguma discrição. Olhos marejados, lágrimas correndo, mas pouco barulho. Depois, mais ruidosamente. O choro foi aumentando de intensidade e, rapidamente, ela já soluçava e chorava copiosamente.

Eu fiquei um tanto quanto desconcertado. Não sei reagir a situações como essa.  Não sei até onde posso ir, até que ponto tenho o direito ou o dever de me intrometer naquele momento da vida daquela pessoa. E eu fiquei assim, principalmente, pelo fato de ela estar chorando. Nunca soube lidar com alguém que chora. Fico sem saber o que fazer. É agoniante.

Pensei por alguns instantes tentando encontrar a melhor coisa a fazer. Ela realmente parecia estar sofrendo. E, pelo seu estado de nervos, não era por pouca coisa. Ao menos, para ela, não era pouca coisa.

Estávamos a uns três palmos de distância. Mesmo chorando, pude notar que ela era muito bonita. Cabelos negros, pouco abaixo dos ombros. Mãos pequenas, rosto angelical, com traços suaves e bastante simétricos. Seus olhos também eram escuros, mas não consegui ver se eram castanhos ou pretos. Vestia uma saia que deixava os joelhos à mostra enquanto estava sentada. Uma blusinha de alças vermelha e sapatilhas.

Por mais alguns instantes, planejei uma abordagem que pudesse ser pouco traumática se tudo desse errado. Decidi-me por ser o menos invasivo possível.

“Com licença, moça, posso ajudá-la em algo?”

Ela nem deu bola. Seguiu chorando.

Pensei que ela pudesse não ter me ouvido. Pensei que ela me ouvira e me ignorara solenemente. Pensei que ela precisava de algo mais do que apenas uma pergunta.

Cheguei mais perto. Ela seguia chorando em desespero.

“Moça, aconteceu alguma coisa? Alguém te fez algum mal, te machucou?”

A resposta foram mais lágrimas, apenas isso.

Tentei processar o que estava se passando. Primeiramente, imaginei que algo havia acontecido. Não era preciso ser nenhum gênio para perceber isso. Algo havia acontecido e havia sido grave. Já que ela nem me notava, olhei bem o seu rosto e não vi nenhuma marca, nenhum machucado. Os braços e as pernas também não tinham nenhum hematoma, ou corte, ou algo do tipo. Conclui que ela não tinha sido agredida. Menos mal. O problema parecia ser unicamente de cunho emocional. O que não diminuía o seu tamanho. Feridas físicas costumam cicatrizar mais rapidamente do que as emocionais.

Um amor. Era bem possível que a razão daquilo tudo fosse um amor. Um amor não correspondido, um amor que acabara, um amor traído, um amor platônico, enfim, um amor.

As pessoas ainda choram por amor. É bonito isso. Eu acho bonito. Fico comovido. Mas ali, naquele banco do parque, naquela tarde cinzenta, eu beirava o pânico. Sempre tive uma relação difícil com o choro. Tenho dificuldade para chorar. Quase nunca choro. Não me lembro da última vez em que chorei. Eu não me orgulho disso, muito pelo contrário. É triste. Eu acho triste não conseguir chorar. Não faz bem para mim. Mas não creio que, no meu caso, haja muita coisa a fazer para mudar isso. Paciência

Sua maquiagem borrada pelas lágrimas deixava rastros negros em sua face. Seu rosto parecia uma pintura expressionista. Estava belo de um modo único.

Aproximei-me de novo. Desta vez, fiquei ainda mais perto. Usei minha voz mais doce possível e disse que, se ela precisasse de algo, eu estava ali, que não nos conhecíamos, mas que eu faria o possível para ajudá-la no que fosse necessário. Ela não esboçou nenhum gesto que poderia demonstrar que tinha me ouvido. Seguiu com seu pranto que rasgava o ar e cortava o meu coração.

Por cerca de uma hora eu tentei entendê-la.  Tentei falar com ela. Tentei ouvi-la.

Por cerca de uma hora eu tentei fazer com que ela me notasse. Tentei mostrar a ela que poderia contar comigo, que não estava sozinha.

De nada adiantaram os meus esforços altruístas.

Eu toquei suas mãos, mas ela não sentiu. Eu não me fiz sentir.

Foi aí que eu percebi que tudo aquilo que eu fizera fora para mim, fora para eu me sentir melhor. A minha preocupação com aquela moça não era tão grande quanto a minha vontade de me tornar importante naquela situação. Ela era apenas o meio. O fim era eu mesmo.

E então eu voltei a me distanciar dela. Os mesmos três palmos de antes. Ergui a cabeça e fitei o céu. Não havia muito o que ver lá em cima. Tempo fechado, nuvens escuras, muitas nuvens escuras, um pássaro voando alto, uma folha de árvore arrancada por uma rajada de vento fresco.

Fechei os olhos.

Uma gota explodiu na minha testa. E outra, e outra, e mais uma. Chovia uma chuva quente.

Senti sua cabeça se apoiando no meu colo. Havia se acalmado. Mais alguns instantes, e o choro desaparecera por completo.

Ela não queria a minha atenção. Ela queria o meu silêncio.

Chovia uma chuva quente.