Aos seus pés, espalhados sobre o chão da sala, pedaços irregulares de papel formavam uma imagem disforme de um amor que poderia ter sido, mas não foi.
Guardava a fotografia no fundo da gaveta. Desde o término,
ela estava ali. Não queria mais vê-la, mas ainda não se sentia seguro o
bastante para se desfazer dela. Até aquela noite.
Rasgou-a em pequenos pedaços. Sem pressa. De certa forma,
aquilo foi para ele como um ritual de libertação. Aquele momento eternizado em
papel era a única coisa que restara de tudo que lembrava o tempo em que
estiveram juntos.
Estavam felizes. Ele recordava bem. O instante que a
fotografia guardara representava perfeitamente o que sentia. Nunca havia sido e
nunca mais fora tão feliz quanto naquele dia.
A fotografia, o momento, ela. Precisava se ver livre,
definitivamente livre de tudo. A cada novo movimento com as mãos para
despedaçar o retrato, uma parte dos dias que passaram lado a lado desaparecia.
Não conseguia deixar de pensar, não podia esvaziar a sua mente das memórias, mas
podia se desfazer da presença física. Já tinha se desfeito de tudo. Os
ingressos do cinema, as entradas dos shows, os textos e poesias, as fotos e as
mensagens no telefone. Nada mais restara. À exceção daquele momento
eternizado em papel.
O retrato em frente ao moinho no parque era o último fio do
tecido que o ligara a ela por um ano inteiro. A linha fora cortada. No chão,
jaziam os restos de um capítulo de sua história que não iria apagar, mas
deixaria para trás. Talvez, acabasse por se tornar uma singela nota de rodapé
quando o livro chegasse ao final. Talvez, nem isso.