quarta-feira, 26 de dezembro de 2007
Ceia entalada na garganta
Bom pessoal, mais um Natal se passou, muitos presentes foram dados e recebidos, o velho Noel entrou pelas chaminés enfumaçadas das casas que as tem, supermercados lotados, perus, chesters, champanhe, panetone, frutas, cantigas natalinas, abraços, estradas congestionadas, mortes, nascimentos, etc. Diante de tudo isso, presenciei uma cena no anoitecer da segunda-feira que me fez repensar um pouco tudo o que circunda esta data tão festejada pelos cristãos, e por alguns não cristãos também. Próximos a uma parada de ônibus em que eu estava, uma família, composta por um homem, uma mulher, ambos ao redor dos 50 anos, e três crianças, a mais velha com uns 10 anos e a mais nova com uns três, discutiam asperamente. Como jornalista que sou, passei a prestar atenção na discusssão e tentar descobrir a razão para a contenda. Depois de uns dois minutos, descobri que a briga se dava porque as crianças não tinham ganho nenhum presente de Natal, nenhuma "lembrancinha", e a mãe e os filhos cobravam do pai por isso, por ele não ter arranjado dinheiro para comprar presentes para os filhos. Depois do primeiro sentimento, que foi de pena, e de uma frase dita pela criança mais velha, passei a refletir sobre o nosso papel, o de comunicadores, não importa se jornalistas ou publicitários, na sociedade. A criança disse, em um dos poucos momentos em que pude distinguir a sua voz por entre os gritos dos pais, que só elas que não ganhavam presentes, que viu na televisão que todo mundo tinha saído pra comprar presentes e todo mundo iria ganhar presentes e que ela queria aquele joguinho que viu no comercial da TV. Depois de mais alguns minutos de discussão, o homem se levantou, pegou uma garrafa de cachaça que estava do seu lado, mandou todos à m.. e saiu emborcando o líquido translúcido. Entrei no ônibus e segui a viagem refletindo sobre a nossa função, coisa que ainda faço agora. Como podemos nós, com o nosso trabalho, desestruturar ainda mais famílias que já não possuem quase nada. Os telejornais mostram as ruas e avenidas repletas de compradores ávidos, as lojas vendendo e faturando como nunca, as famílias felizes levando seus presentes para a casa e as crianças contentes e ansiosas pela espera do Noel. Os comerciais de TV, e de jornal e de rádio também, por que não, estimulam e incitam o consumo de brinquedos, roupas, celulares, videogames, eletrônicos em geral, etc. Para quem pode comprar, ótimo, será um Natal alegre e feliz com todos ao redor da árvore trocando seus presentes após uma saborosa ceia. E para quem não pode? O que ocorre com esses? Discussões, brigas, violência, crimes. A conseqüência todos nós sentimos e queremos soluções rápidas para elas. As causas, uma fatia considerável delas, pelo menos, somos nós, comunicadores, jornalistas ou publicitários, os responsáveis. Eu sigo cá pensando e, depois disso tudo, confesso que ainda não digeri muito bem a ceia da noite de segunda.
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Um comentário:
Tudo isso faz parte da lógica do Neo(liberalismo), como nosso mestre em comum sempre frisa. O interessante é que não falta indignação quando reclamamos (implico nós todos, que estamos degraus acima da pobreza) dos "marginais". Falo enquanto cidadão, nem sequer cogito em trazer à discussão nosso papel como jornalistas, que, se num geral vai mal, é ainda pior desempenhado aqui em nosso país. De barriga cheia, presentes novos pós-Natal e morrendo de medo, a minoria que aparece nas matérias citadas por ti simplesmente ignora o resto. A grande maioria ficou sem presente neste Natal. Mas não veremos matérias na TV nem parece a maioria se importar com isso, não é mesmo? Abraço cordial.
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