Não sou de postar as reportagens que faço para o Jornal do Comércio aqui. Gosto de ver o Alça de Mira como um espaço em que eu me liberto das amarras de tudo o que envolve o jornalismo diário em um grande jornal. Não pretendo misturar as coisas. Porém, como sei que a maioria dos amigos que passam por aqui não costumam ler o JC, reproduzirei a seguir uma matéria minha que está na edição de hoje do jornal. Abro a exceção, e provavelmente abrirei outras com o tempo, em razão de ter gostado bastante deste texto. Principalmente pela lição que o velho pescador do Guaíba, mesmo sem sequer ter chegado à metade do Ensino Fundamental, dá para todos nós. Sabedoria é mais importante do que conhecimento. Vamos lá então, segue o texto.
Pescadores limpam um lago que pede socorro
Por Juliano Tatsch
O vento gelado, fraco, mas constante, não espantou os pescadores que, em cerca de 40 embarcações, realizaram ontem o descarregamento do lixo coletado na terça e na quarta-feira no lago Guaíba. Pneus, sofás, bolas de futebol, garrafas e sacolas plásticas, sapatos de todos os tipos, monitores de computador e até uma perna mecânica eram alguns dos detritos que foram encontrados nas águas.
“Isso que vocês estão vendo aqui hoje nós vemos todos os dias, quando percorremos o Guaíba em nossos barcos. É uma grande injustiça com o nosso lago, que nos dá tanta coisa. O pescador sofre. Quando chove, nossas redes ficam cheias de lixo. Temos prejuízo tanto em relação ao equipamento, que se danifica, quanto aos peixes que não pegamos. Apesar disso, ainda tem peixe no nosso Guaíba - bem menos do que antes, é claro. Hoje eu levo duas semanas para pegar o que eu pegava em uma noite”, afirma Osmar Lisboa da Silva, 72 anos, pescador desde os 14. Conforme Silva, os pescadores fazem esse trabalho de limpeza das águas diariamente. “Nós vamos recolhendo o lixo que encontramos pelo caminho e armazenamos nas nossas casas. Quando o caminhão vem, recolhe tudo”, diz.
A expectativa era de que seis toneladas de lixo fossem tiradas das águas. O mutirão Pescando Lixo, Salvando os Rios foi promovido pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema) e pela Colônia de Pescadores Z-5 com o apoio do projeto Rumo/Veleiros do Sul e faz parte das atividades da Semana Estadual do Meio Ambiente, que seguem até o dia 5 de junho. Para o titular da Sema, Berfran Rosado, a conscientização da população é primordial. “No resto do ano, o trabalho depende da ação de todas as pessoas, não só do governo. Precisamos somar esforços do Estado com os municípios e com a comunidade. A responsabilidade é compartilhada. A sociedade tem de fazer a sua parte, mudando seus hábitos, sua postura. Além disso, é preciso intensificar as atividades de fiscalização”, enfatiza.
Os resíduos foram colocados em sacos plásticos e descarregados na prainha da Usina do Gasômetro, onde foram recolhidos por um caminhão do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU). Para o experiente pescador, o lago é uma extensão da própria casa, uma parte da própria vida. “Há 58 anos eu percorro estas águas de ponta a ponta. Eu vi um Guaíba vivo. Hoje eu vejo um Guaíba agonizando, pedindo socorro todos os dias. É triste ver o modo como as pessoas tratam o nosso lago. Elas não estão destruindo somente o Guaíba, estão destruindo o futuro de seus filhos e netos”, diz, colocando sapatos dentro de um saco preto.
2 comentários:
Sensacional. Ótimo texto, e tu sabe que não sou de dar elogios vazios às pessoas. E de fato, a lição do pescador é profunda, e nos mostra como nós, os "letrados", somos tão ignorantes em tantas coisas. Abraço!
Ah, rapaz, não seja modesto! Bons textos têm que ser postados, sim :)
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