terça-feira, 23 de março de 2010

A lei das carroças - o outro lado

A prefeitura vai tirar as carroças das ruas de Porto Alegre. Ou pelo menos diz que vai tirar. Bom para o trânsito, mas, talvez, não tão bom para os catadores. Ou pelo menos não tão bom do jeito que se pretende fazer a retirada. Segue abaixo uma entrevista que eu fiz que saiu hoje no JC e que bateu o recorde de comentários no site do jornal (perdão, mas preciso me gabar um pouquinho) com um sociólogo, ex-catador e representante do Movimento Nacional dos Catadores de Material Reciclável, Rodrigo Oliveira. Vale a pena dar uma lida e ver a questão por um outro lado. Lado que, aliás (gabando-me de novo), não vi em nenhum outro lugar na nossa imprensa.


Para sociólogo, legislação irá gerar sofrimento


Juliano Tatsch

A Lei 10.531/08, sancionada em setembro de 2008, que institui o Programa de Redução Gradativa do Número de Veículos de Tração Animal e Humana, os conhecidos carrinhos e carroças, resultará em sofrimento para os catadores que há muitos anos trabalham utilizando os veículos. A opinião é do sociólogo e ex-catador Cristiano Benites Oliveira, articulador da frente de apoio aos catadores vinculada ao Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR). Em entrevista concedida ao Jornal do Comércio, Oliveira considera a retirada de circulação das carroças e dos carrinhos uma ação violenta e que resultará em mais gastos para a prefeitura.

Jornal do Comércio - O que os trabalhadores acham da lei? Quais as principais críticas a ela?
Cristiano Oliveira -
Os catadores vêm sofrendo com o mercado dos recicláveis há muito tempo. Isso porque as grandes empresas do setor controlam a formação dos preços de materiais. Não bastasse esse tipo distorcido de relação de mercado, desde o início da implantação dos programas de coleta seletiva nos municípios, os poderes públicos, em conjunto com as empresas do ramo de serviços relacionados à destinação de resíduos, passaram progressivamente a desqualificar o catador. Essa desqualificação é o que fortalece a exclusão social desses indivíduos. Esse processo se expande de diversas formas, através de velhos e novos estereótipos, os quais classificam os catadores como "lixeiro", "imundo", "marginal", "ladrão de lixo" ou, mais atualmente, de "explorador de animais e crianças", "tranca-rua", "poluidor", ou ainda de "incapaz", "doente", "coitado". Todas essas denominações contribuem para o julgamento e a condenação precipitada dos catadores o que proporciona a sua criminalização. A construção e o fortalecimento dessa imagem negativa beneficiam as elites políticas conservadoras que ganham votos em cima da exclusão dos pobres dos centros urbanos e as empreiteiras ávidas por contratos públicos, as quais se autointitulam "profissionais" dos serviços de coleta seletiva de resíduos.Criminalizar essa população trabalhadora retirando seu direito à cidade e ao trabalho, ao invés de investir para a correção das distorções desse mercado, significa tratar a questão social da reciclagem como caso de polícia. É, também, retroceder na história socioeconômica jogando fora novas oportunidades de desenvolvimento através da redistribuição de riquezas produzidas pelo trabalho com essas matérias-primas descartadas.

JC - Tu achas que a lei será cumprida? E, se for, será dentro do prazo?
Cristiano Oliveira
- O cumprimento dessa lei vai gerar enormes perdas e custos tanto em termos de sofrimento humano quanto em termos econômicos, através do empenho de rios de recursos públicos para a ampliação de contratos com empreiteiras de coleta seletiva e para a construção de grandes e caríssimas estruturas de galpões de triagem de resíduos para confinar os catadores em seu interior, de preferência em periferias bem distantes dos centros urbanos.

JC - Com a derrubada da ação de inconstitucionalidade por parte do Tribunal de Justiça, o movimento pretende entrar com alguma outra medida judicial ou não?
Cristiano Oliveira
- O movimento vai tomar todas as medidas judiciais e extrajudiciais necessárias como forma de chamar a atenção da população sobre os riscos econômicos e sociais dessa lei, em termos da retirada violenta dos catadores e em termos dos gastos públicos.

JC - A prefeitura tem buscado um diálogo com os trabalhadores?
Cristiano Oliveira
- A prefeitura tem dialogado somente com quem está alinhado com as propostas de criminalização e confinamento dos catadores. Com o movimento eles procuraram estabelecer diálogo no início de 2009, mas logo que foi apresentada a visão e as propostas feitas pelo movimento em relação a essa realidade, nunca mais fomos procurados.

JC - Qual a sua opinião a respeito das propostas da prefeitura para o cumprimento da lei?
Cristiano Oliveira
- Todos concordamos que a situação desses trabalhadores é péssima e precisa ser transformada, mas tratar essa questão social como caso de polícia através da criminalização, descriminação e confinamento não é, nem de longe, a melhor forma de encaminhamento político a ser dado. Isso porque os trabalhadores incluídos vão ficar a mercê das empreiteiras contratadas para o recolhimento dos materiais. Sem falar que a grande maioria dos catadores permanecerá excluída desse modelo, pois não há como todos trabalharem apenas com triagem e comercialização de materiais e fazer com que, do dia para a noite, os catadores, os quais desempenham historicamente a atividade de coleta, simplesmente se tornem "triadores". Essa intenção de reconversão massiva dos catadores para outras atividades produtivas é de caráter extremamente autoritário, pois obriga o catador a mudar de ocupação sem ao menos considerar seus atributos e a sua vontade. Todo esse processo pode ser sintetizado por duas expressões que traduzem bem esse contexto: exclusão social e privatização da coleta seletiva.

http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=23413&codp=104&codni=3

2 comentários:

Paulo Serpa Antunes disse...

Tua entrevista bombou no site do JC. Tivemos que censurar algunas dezenas de comentários, o pessoal se empolga com o tema e desce o nível do debate...

Vicente Fonseca disse...

Tenho acompanhado teu belo trabalho no JC sempre que posso, tchê. Grande orgulho!

Abraços.