É curioso como escrever sobre uma coisa, o amor, pode parecer tão fácil e ser tão difícil. O amor talvez seja o tema mais abordado na história universal da escrita. Possivelmente é. Muito possivelmente. Desde textos literários de todos os tipos, passando por cartas e bilhetinhos, seguindo por e-mails e “torpedos”. As pessoas que amam sentem necessidade de expressar esse amor através de palavras escritas. O amor é o tema mais universal do mundo para se falar. O amor entre duas pessoas sentido aqui não é significativamente diverso do amor entre duas pessoas sentido no Japão, ou na Rússia, ou na Romênia, ou na Índia, ou na Nigéria, ou nos EUA, ou em qualquer outro ponto deste planeta. As manifestações e demonstrações desse amor e a forma de sentir esse amor podem ser e são bem diferentes, cada uma de acordo com a personalidade de cada pessoa e com a cultura local, mas o sentimento é praticamente o mesmo.
Se escrever ficção sobre o amor é muito difícil, imagine escrever um relato de cunho mais pessoal, tendo as suas sensações como base e fio condutor do texto. É muito difícil escrever sobre o amor porque, apesar de ser um sentimento universal, ele é único para quem sente. Antes de começar a escrever ou a falar sobre o amor, que seja, uma questão precisa ser respondida. Ter essa questão respondida é condição sine qua non para que o texto possa sair da cabeça e ir para o papel. A pergunta é a seguinte: o que é amor para você?
É indispensável que a resposta a esse questionamento exista para que você consiga criar um escrito pessoal falando sobre o amor. Assim, temos, portanto, antes da primeira letra do texto ser escrita, um grande problema. Um problema muito complicado de ser solucionado.
A primeira dificuldade para se resolver este problema reside no fato de o conceito de amor ser algo pessoal. Assim, não há como se utilizar de definições elaboradas por outros. É possível se basear na opinião de outras pessoas a respeito do que é amor, entretanto, corre-se o risco de que um conceito irreal seja criado, e de que isso acabe gerando dificuldades quando for preciso interpretar o sentimento existente em um determinado momento.
As pessoas não param para pensar sobre isso e aí está outra dificuldade. As pessoas percebem que sentem algo e que esse algo é forte e, para elas, isso é amor. E pode até ser. A questão é que ninguém para e pensa: o que estou sentindo? Já senti isso, assim, outras vezes? De onde vem isso que estou sentindo? O que aquela pessoa tem para fazer com que eu me sinta assim?
Então, esse é um requisito básico e, creio eu, indispensável para se escrever a respeito do que se está sentindo: saber o que se está sentindo e o que é aquele sentimento para mim.
Escrever sobre a paixão é mais fácil. A paixão mexe muito com o instinto. É algo que aflora mais visivelmente. O amor se sente mais com o cérebro do que a paixão. É claro que cada pessoa se apaixona de um jeito. Alguns se apaixonam mais com a pele, mais pelo físico; outros se apaixonam mais pelo jeito da pessoa; e outros se apaixonam pelo modo como a pessoa pensa. Porém, a paixão ainda é um sentimento intermediário e está deveras ligada a um encantamento. E uma pessoa encantada pode, às vezes, deixar o cérebro um pouquinho de lado na hora de sentir.
Escrever sobre o amor é muito difícil porque as pessoas conhecem pouco a si mesmas. Mas, mesmo para aquelas pessoas que se conhecem muito bem, escrever sobre o amor também é difícil. Por quê? Basicamente por que estas pessoas, as que se conhecem bem, sentem com muita intensidade. Essas pessoas sentem com mais profundidade o sentimento. E, nestes casos, elas percebem o quão complexo é escrever sobre um sentimento, principalmente um sentimento como o amor. Essas pessoas compreendem que, por mais espetaculares que sejam, por mais fantásticas e mágicas que sejam, por mais fascinantes e desbravadoras que sejam, por mais desafiadoras e esclarecedoras que sejam, por mais fortes e sensíveis que sejam, as palavras delimitam. As palavras te fazem viajar, sair do chão, sonhar, ir longe, mas elas, em si, delimitam. E limitar um sentimento é muito difícil para quem o sente. Principalmente para quem o sente de modo intenso.
Aí está o paradoxo da questão: para escrever sobre o amor que se sente, escrever mesmo, de modo profundo e pensado, é preciso saber o que é o amor para si próprio. Para saber o que é o amor é necessário se autoconhecer. As pessoas que se conhecem bem, contudo, na maioria das vezes, sentem muito o que sentem, sentem com intensidade. E, por sentirem intensamente, percebem que as palavras limitam um sentimento que, para elas, parece ser ilimitado. Daí o desconforto. Daí a dificuldade em escrever sobre o amor.
Quem consegue fazê-lo, das duas uma: ou é uma exceção, um dos privilegiados, um Sheakespeare; ou tem o enorme talento de escrever sobre algo que está sentindo sem ser influenciado por esse sentimento.
Os dois casos existem, mas são muito raros. Raríssimos.
O mais comum, portanto, é nos deparar com textos sobre o amor escritos por talentosos escritores que não sentiam aquilo sobre o qual estavam escrevendo. Ou por pessoas que acreditam estar escrevendo sobre o amor que sentem, mas na verdade não passaram da epiderme desse amor. Estão esquiando na superfície congelada de um profundo lago.
Apesar de todas as dificuldades, não há razão para desistir e nunca tentar escrever sobre o amor que se sente. Ao contrário. Deve-se tentar sempre. Escrever é hábito e só se adquire esse hábito escrevendo. Ao tentar escrever e não conseguir surgirão questionamentos e é a partir deles que o processo de autoconhecimento aflora e se desenvolve. Ninguém se autoconhece sem se desafiar. O amor é desafiador e escrever sobre ele também é.
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