Ele, definitivamente, era o
homem mais romântico do mundo.
Não era preciso conhecer todos
os outros bilhões de seres humanos do sexo masculino existentes no planeta para
saber disso. Não era preciso conhecer mais nenhum deles. Bastava conhecê-lo.
Seus atos falavam por si só.
Um exemplo?
Ele não mandava flores para a
mulher alvo de sua paixão. Isso era simples demais, envolvia pouco sentimento.
Ele as plantava. As cuidava. As protegia. Ele conversava com elas. Ele depositava
nelas todo o seu amor e as colhia com a sutileza de uma brisa da manhã.
Ele era assim. Um poço de
sentimentos. Um oceano de carinho, repleto de ilhas de simpatia, recifes de
compreensão, istmos de doçura e continentes de amor. Muitos continentes do mais
puro, intenso e inexplicável amor.
Como todo bom romântico que se
preze, ele sofria por amor. Entretanto, como era o homem mais romântico do
mundo, seu sofrimento era muito maior do que o dos outros. Ele sofria
superlativamente. Seu coração ficava doloridíssimo. Sua alma, despedaçadíssima.
Ele exagerava as coisas. Até
aí, normal para um romântico. O amor que sentia, sempre era o maior amor de
todo o universo, conhecido e desconhecido. No caso específico, porém, a coisa
extrapolava os limites que, para ele, não existiam quando se ama. Ele passava
noites e noites em claro escrevendo poemas para paixões que nunca teria. Entregava-se
ao álcool e cogitava suicídio a cada olhar não retribuído. Derrubava seus
livros da estante e se deitava no chão ao lado de Byron, Álvares de Azevedo,
Musset, Casimiro de Abreu, Goethe. Via-se entre eles. Imaginava-se morrendo de
tuberculose em um porão úmido e cheirando a mofo. Ficava triste ao perceber que
já não era jovem o suficiente para ter uma morte trágica e precoce. Além disso,
morava em um arejado apartamento no sétimo andar.
Sentia as dores da rejeição de
um modo peculiarmente sublime. No seu ponto de vista, obviamente. Para ele, o
amor não correspondido não era um amor perdido. Era, sim, um amor superior, um
amor que ultrapassava as relações, que vencia as necessidades físicas e alimentava
as chamas que iluminavam a essência do seu ser. Para ele, o amor não
correspondido era um amor tão forte que não precisava de complemento, era
completo por si só, era inteiro, era pleno. Um amor não correspondido era, em
suma, a prova de que o amor é força motriz, é fogo e oxigênio, é terra e
semente. É vida. Vida além do tempo, vida além do instante, vida além do antes,
além do agora, além do depois. O amor não correspondido era prova de que o amor
é tudo e de que tudo, tudo é amor (para quem ama).
Ainda com tenra idade, ele
dava indícios de que, em um futuro breve seria, o homem mais romântico do
mundo. Com oito anos, se apaixonou por uma coleguinha da escola. A menina, uma
ruivinha de cabelos encaracolados e sardas no rosto, não dava muita bola para
ele, mas era simpática e brincalhona. Todos os dias, na hora do recreio,
enquanto as outras crianças se divertiam no extenso pátio da escola, ele,
discretamente, apanhava flores do jardim da casa do zelador e as colocava sobre
a classe dela. Quando a menina retornava para a sala, encontrava o mimo e não
entendia nada. Ele não deixava nenhum bilhete ou recado. Era tímido demais.
Sempre foi tímido demais. Apenas as flores. Isso durou quase um ano inteiro. Só
parou quando a esposa do zelador o pegou no flagra roubando de seu jardim e lhe
deu uma carraspana daquelas. No ano seguinte, a menina ruiva mudou de escola e
ele nunca mais a viu. Jamais viria a se esquecer de sua primeira paixão infantil.
Foi aquela dura da mulher do zelador que fez com que ele passasse, depois de
adulto, a plantar e cuidar de suas próprias flores.
Na adolescência, teve um
grande amor. Ela era espevitada e não gostava muito de estudar. Apesar disso,
por ser bem esperta, costumava tirar boas notas no colégio. Ele era louco por
ela. A ideia de enlouquecer por amor, aliás, sempre esteve presente em seus
pensamentos. “Não há razão para o amor, não há razões para amar”, dizia durante
suas delirantes explanações alcoólicas. Para ele, o amor era algo tão
transcendental, tão impossível de ser entendido e explicado, que somente os
loucos conheciam, de fato, o seu significado.
Ele imaginava uma vida inteira
ao lado dessa paixão adolescente. Pensava nela durante todo o dia, todos os
dias. Sonhava com ela toda a noite, todas as noites. Preenchia folhas de seu
caderno com o nome dela. Somente o nome dela. Para ele, ela era a menina
perfeita. Tudo nela era perfeito. Até seus defeitos eram perfeitamente
defeituosos. Assim como no caso da
menina ruiva com sardas no rosto, ele não teve nenhum relacionamento íntimo com
o seu amor juvenil. Eles não namoraram. Sequer um beijo.
Foi por ela, por essa paixão
adolescente, que ele sofreu por amor pela primeira vez, quando descobriu que a
sua amada estava nos braços de outro. Aquela dor forjou o seu caráter.
Ainda na juventude, teve
grandes lampejos de paixão. Todos muito rápidos, lancinantes. Intensos. Chama
alta em poças de álcool, que queima forte e se vai. Assim, em um átimo.
O homem mais romântico do
mundo era um poeta. Não era um bom poeta, entretanto escrevia poemas, poemas
ruins, mas, ainda assim, poemas. Ele tinha muita dificuldade para construir
rimas. Passava noites e noites em claro, roía as unhas a ponto de suas carnes
sangrarem. E elas sangravam. Também escrevia prosa, mas não gostava muito.
Achava-se melhor prosista do que poeta. Entretanto, não escrevia um conto com o
mesmo sentimento com o qual formava versos. Achava a prosa um texto deveras
frio. Enfim, ele não entendia muito de literatura.
Em muitas das madrugadas em
que não conseguia dormir, imaginava-se vivendo no fim do século XIX. O cenário
e as situações eram, quase sempre, os mesmos. Caminhava à noite pelas ruas
iluminadas com lampiões acesos com querosene. Imaginava-se de casaca, bengala
na mão direita, sapatos de couro e um chapéu. As pessoas o cumprimentavam
quando passavam por ele e cochichavam entre si “esse é o grande poeta”. Naquela
época, um poeta que escrevia com coração na ponta da pena era um homem
apreciado, hoje, faz papel de ridículo. Ele costumava dizer com alguma
frequência que sentia que nascera na época errada. A vida moderna não valoriza
o que as pessoas sentem, e sim o que elas fazem ou o que elas são. “As coisas
acontecem muito rapidamente, em um estalar de dedos. As pessoas não têm mais
tempo para amar”, dizia. Por isso ele gostava do século XIX. Tudo era tão mais
calmo, mais natural. O som dos cascos dos cavalos puxando as charretes. O
vendedor de jornais gritando as manchetes do dia. O envelope da carta rasgado.
Ele sentia uma saudade dos tempos que não havia vivido.
Costumava se deprimir quando
não estava apaixonado. Questionava tudo. As coisas não faziam sentido algum. Não
via razão em uma vida sem amor. Deixava a barba crescer, não se penteava, usava
as roupas que estavam ao alcance das mãos, arrastava os chinelos velhos a cada
passo que dava. Não existia amor próprio quando não estava amando.
O homem mais romântico do mundo
não sentia a necessidade de ser amado. Para ele, bastava amar. Era amando que
ele se satisfazia. Amando, se sentia realizado.
O homem mais romântico do
mundo nunca viveu um grande amor. O amor que ele sentia afastava suas paixões.
Elas não suportavam tamanho envolvimento. Ele não compreendia porque as
mulheres não retribuíam suas tão calorosas provas de afeição. Em algumas raras
ocasiões, chegou a se perguntar se aquilo tudo valia a pena. A resposta era
sempre a mesma, decorada do poema Mar Português, de Fernando Pessoa: “Tudo vale
a pena, se alma não é pequena.” E a sua alma era enorme, assim como era enorme
o amor que ele levava no peito, e lhe comprimia o coração.
Os anos passaram. O tempo lhe
deixou marcas. Dissabores tornaram cada vez mais raros os sorrisos em seu
rosto. Ele era um sobrevivente. Sentia-se um sobrevivente de uma época em que
amar não era algo banal. Amar era divino.
Era um fim de tarde chuvoso de
inverno quando, após duas semanas completamente sumido, encontraram o seu
corpo. Ele morrera em seu apartamento, no quarto de leitura, consumido por seus
sentimentos. Nas mãos, um bilhete riscado com sua caneta tinteiro.
“Àqueles que encontrarem este
corpo putrefato, peço apenas uma coisa: retirem este coração quente para estudos.
Nenhum outro amou tanto.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário