Estávamos ali. Sentados, frente a frente, no chão de nossa
sala de estar. Era um dos últimos dias do outono, não me recordo da data exata.
Já havíamos bebido um pouco, mas não o bastante para ficarmos altos. Nem
alegres estávamos. Não mais alegres do que costumávamos ficar quando tínhamos
nossos momentos juntos.
Já haviam cessado os momentos de risadas. Já haviam cessado
os momentos de carinho. Durante uns cinco minutos, só ouvíamos o barulho de
nossa respiração. Ritmada, mas não única. Cada uma na sua sintonia. O silêncio
foi quebrado por uma pergunta.
“Você me ama?”, disse ela, meneando um pouco a cabeça para o
lado esquerdo.
Eu já devia ter dito que a amava algumas centenas, quem sabe
milhares de vezes. Mas sempre tinha sido espontâneo. Ela nunca havia me
perguntado se eu a amava.
Fiquei um pouco desconcertado, confesso. Uma coisa é você
dizer a alguém o que sente ou o que acha que sente por ela. Outra bem diferente
é esse sentimento ser questionado.
Ela não perguntou o que eu sentia por ela. Perguntou se eu a
amava. Era uma questão que exigia uma resposta de “sim” ou “não”.
Mas eu nunca fui de responder apenas “sim”, ou somente
“não”. Ela sabia disso.
Eu retruquei com outra pergunta.
“O que é o amor para ti?”
Um novo silêncio.
Ela buscou com a mão direita a taça de vinho. Estava vazia.
A garrafa também.
Titubeou por alguns instantes. Quem não titubearia?
“Acho que... acho que é querer tanto e tão bem ao ponto de, na
maior parte do tempo, você se esquecer de si, e pensar somente no outro. Acho
que isso é amor.”
Era uma boa resposta. Simples e simplória, mas boa.
Inegavelmente boa.
Eu concordei. Amor era isso. Não era somente isso, mas era
isso também.
“Eu sinto isso por você”, ela completou, com um carinhoso
sorriso sem mostrar os dentes.
Eu não soube como reagir. Ou melhor, eu não soube como ela
reagiria à minha reação. É complicado, eu sei. Assim é o Amor. Assim são as
pessoas.
Acho que a amava. Mas não sentia o Amor que ela dizia sentir
por mim. Eu não me desapegava de mim mesmo daquela forma. Eu pensava nela a todo o instante, eu me entregava, mas acreditava que não poderia deixar de ser eu mesmo. Não poderia me despersonalizar.
O silêncio pesava uma tonelada. Eu precisava dizer algo. Mas
dizer o quê?
“E então, você me ama?”
Eu ainda não tinha uma resposta, mas comecei a falar.
E o que eu disse foi, mais ou menos, isso aqui:
Eu disse que não sabia se o que sentia por ela era Amor.
Disse que sabia o que sentia por ela, isso eu sabia muito
bem, mas não tinha certeza de que aquilo era Amor. Poderia ser, poderia não
ser. Eu não tinha certeza.
Eu a queria junto de mim. A queria perto.
Eu nunca havia sentido por alguém o que sentia por ela. Já
tinha me apaixonado algumas vezes. Eu me lembrava perfeitamente de cada uma
dessas paixões. Todas elas fizeram de mim a pessoa que eu era agora. Todas elas me ensinaram coisas. Elas
adicionaram em mim, cada uma ao seu jeito, pitadas de sentimento.
Eu disse que, hoje, sentia de um modo mais completo, mais
profundo, mais alicerçado. Não era pueril. Não era arrebatador. Não era
fulminante. Era sólido. Luminoso. Sem arestas.
Não era chama nem raio. Era mar sereno.
O que eu sentia por ela independia de momentos extremos. Ela
me acalmava.
E quanto mais eu falava sobre o que ela significava para
mim, sobre o homem que eu era ao lado dela e sobre como eu era antes de ela
entrar em minha vida, mais eu questionava a mim mesmo se aquilo era Amor.
Havia desejo, havia excitação, havia muito, mas eles
ocupavam uma posição secundária em relação ao carinho, ao querer estar junto,
ao cuidado, à atenção.
Eu disse para ela que achava o conceito de Amor algo muito
abstrato. Ela custava a entender.
Disse que, em determinado momento de minha vida, achava que
o Amor de verdade era uma coisa inatingível, pois nos relacionávamos com outras
pessoas com o objetivo claro de satisfazer nossas vontades e desejos. Eu achava
que gostávamos de estar com outra pessoa porque aquilo nos fazia bem, nos agradava,
pouco importando o significado da relação para o parceiro. Eu via o envolvimento
amoroso como algo deveras egoísta.
Ela balançava a cabeça negativamente. “Absurdo”, dizia.
“Absurdo”.
Eu concordei. Agora eu já não pensava mais assim. Agora eu
via o Amor como mais do que um sentimento. Eu via o Amor quase como um estado de
espírito, assim como a felicidade. Achava, aliás, que os dois se completavam: o
amor e a felicidade. Imiscuíam-se. Quase que dependiam um do outro. Não via a
possibilidade de uma vida realmente feliz sem o Amor.
Os anos haviam me transformado, me enternecido. Disse que
ela havia contribuído com isso. Ela era um dos motivos dessa mudança. Ela
esboçou um sorriso discreto, mas bastante sincero. Apesar disso, me parecia
claro que não estava satisfeita com minha resposta. Aliás, de fato, eu não
havia respondido à sua pergunta, que era clara, direta e objetiva.
“Você me ama?”
Uma pergunta clara, direta e objetiva. Uma resposta confusa,
sinuosa, complexa.
Assim era eu. Assim eu achava que era o Amor.
O que eu queria dizer para ela e que, talvez, não tenha
conseguido fazer de forma certa naquela noite, era que o Amor não se define. Amor
não se dá, não se recebe. Amor se sente.
Por causa disso, por ser tão disforme, por ser tão escorregadio,
tão singular, é que é tão difícil definir o que é o Amor. E é por ser assim,
difícil de definir, difícil de dizer o que é e como é, que eu não conseguia
olhar nos olhos dela e dizer se a amava ou não.
“Você não tem certeza do que sente por mim. Fica enrolando,
tergiversa. Acho que você... sei lá... acho que você nunca amou ninguém de
verdade.”
Ela podia ter razão em relação à segunda parte. Não acho que
tinha, mas podia ter. Talvez eu nunca tivesse amado alguém de verdade. Sobre a
primeira parte, sobre eu não ter certeza do que sentia por ela, ela não estava
certa.
Eu nunca sentira por alguma pessoa o que sentia por ela. Eu
estava sendo sincero. Se era Amor, se era intensa afeição, se era compaixão, eu
não sei. Era forte.
Enquanto eu falava, olhava com atenção para o rosto dela.
Como era bela. Cabelos negros. Olhos amendoados. Uma mistura luso-italiana
típica. Expressão ameaçadora e dócil ao mesmo tempo. Ela era um pequeno
furacão. Tinha um magnetismo sui generis.
Atraía as atenções, mesmo calada, mesmo discreta. Eu não havia me apaixonado à
toa.
Ela não me interrompia, mesmo estando claramente inquieta.
Eu não parava de falar. Ela parecia querer ouvir.
Tentei explicar que o Amor era um sentimento, ou, como eu
achava que era, um estado de espírito, muito pessoal. Que cada um sente de um
jeito e, assim, cada um ama do seu próprio modo. Eu amava do meu jeito, que,
obviamente, era diverso do jeito dela. Assim sendo, é possível que, pelo ponto
de vista dela, eu não a amasse.
Foi aí que ela me interrompeu.
“Eu sei o que eu sinto por ti e eu digo que te amo. Eu até
grito, se assim quiseres: EU TE AMO!! Tá bom assim? Eu não sei porque não podes
dizer também. É tão simples, não dói. A mim não importa se o que tu sentes é
diferente do que o que eu sinto. Não me importa se o teu amor é diferente do
meu amor. Não me importa nem um pouco. A mim só importa se tu me amas. Só me
importa se tu me amas do teu jeito de amar. É isso que me importa. Nada mais.”
Fiquei sem palavras. Eu, que tanto havia falado, fiquei sem
palavras.
Era isso. Eu falei muito, ela dissera tudo o que havia para
ser dito.
“Sim”.
A minha resposta foi “sim”.
Ela sorriu um luminoso sorriso. Levantou-se e foi buscar
outra garrafa de vinho.
Eu sabia que ela não acreditava naquele “sim”. Ela sabia que
eu a amava. Muito.