Sob os olhos castanho-escuros, ela tinha grandes e
profundas olheiras. Era como se duas nuvens carregadas, prontas para despejarem
tempestade, tivessem cruzado o céu durante a noite e se acomodado ali, sob o
castanho-escuro dos olhos dela.
De toda a beleza que ela tinha no rosto de menina, era
naquelas olheiras que ele mais se fixava quando ficava por vários minutos
contemplando seus traços sutis. Por vezes – não raras – ele se via em um tipo
de estado de transe. Mergulhava nas sombras que ela tinha embaixo dos olhos e
ficava ali, sem se dar conta do mover dos ponteiros no relógio, sem se
preocupar com nada que não fosse ela.
Não havia coisa alguma nela que ele não gostasse. Até os
seus defeitos. Ele amava aqueles defeitos que a faziam tão humana, tão real,
tão única.
Esforçou-se o quanto pôde, vasculhou em suas memórias
inconscientes, mas não conseguia se lembrar de quando havia sido a primeira vez
que percebera as olheiras. Talvez tivera sido já no primeiro encontro, dentro da
loja de departamentos, ou, quem sabe, no segundo, enquanto se esgueiravam feito
gatos ariscos por entre os pilares da catedral para não atrapalhar a missa.
Alguns dos únicos momentos em que ele não admirava as
olheiras dela eram quando fechava os olhos para beijá-la. O beijo o fazia
esquecer de tudo, como se entrasse em um misterioso túnel de sensações, um
espiral de cores e perfumes e sabores cruzando sua mente na velocidade da luz e
deixando para trás um rastro de saudade de cada um dos momentos que nunca mais
iriam se repetir.
Ela tinha tempestades sob os olhos e, todas as vezes em
que estavam juntos, ele sentia como se estivesse para chover. Uma chuva ora
calma e suave, como se gotas de amor explodissem sob a lente dos seus óculos,
ora com fúria e poder, com relâmpagos iluminando a noite escura e lhe mostrando
o caminho a seguir.
E ele seguiu. E ela também. Cada um para o seu lado.
Mesmo depois do fim, de todas as pequenas coisas que nela
o encantavam, eram três as que ele mais sentia falta: a gargalhada que
espantava os pássaros ao redor, atraía os olhares de assombro de todos que
estavam por perto e preenchia qualquer lugar da mais pura energia da vida; o
cheiro nos negros cabelos longos os quais ele desbravava com as mãos, deixando
os fios escaparem por entre os dedos feito filetes de rios correndo pelos
Elíseos; e as olheiras..., as olheiras que davam um ar de mistério ao seu
rosto, o fazendo pensar, quando com ela, que estava em um conto de Edgar Allan
Poe, ou percorrendo, feito um bailarino, de salto em salto, as notas na
partitura de Moonlight Sonata de Beethoven.
Ela tinha tempestades sob os olhos.
Ele amava o barulho da chuva.
Um comentário:
Que texto ! simplesmente Lindo,
faz a gente suspirar ...
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