sábado, 28 de julho de 2018





Elíseos

   Eu queria ouvir uma sinfonia de flautas e harpas enquanto caminhava sem pressa pelos campos floridos dos Elíseos. Eu estaria cercado por borboletas coloridas e pássaros cantantes me despertariam em todas as manhãs. Um perfume agridoce tomaria o ar. Na boca, levaria para sempre o gosto dos lábios dela.

   Eu queria cantar a eternidade dos momentos bons, sorrir sem motivos, deixar correr por entre os dedos as águas cristalinas que brotam da terra cheia de vida. Por todos os lugares, em todos os momentos, eu seria aquele que sempre fui, mas seria diferente. A cada amanhecer, eu seria diferente, feito uma aquarela em construção pelas mãos do artista. As cores explodindo em harmonia e caos, formando sonhos lúcidos diante dos meus olhos. Ela estaria neles. Ela sempre estaria neles. Viva. Calor a aquecer minhas noites, presença a iluminar meus dias.

   Eu queria dançar sob as estrelas de um infinito céu azul. No chão, meus passos contariam nossa história, seriam letra e canção da música que escrevi para nós dois. Seria carne, seria espírito, seria toque e memória, lembrança e saudade. Não haveria medo, não haveria certezas. Tudo seria uma descoberta, uma permanente descoberta. Dentro de mim, amor. A transbordar, feito chuva de verão sobre a pele quente.

   Eu queria ser a poesia do olhar, queria ser a alma livre dos que sentem sem limites. Sem ter para onde ir, apenas iria. Até aonde quisesse, até aonde pudesse, até o fim do mundo, até o início de tudo. Barco a vela, avião de papel. Sinos ao longe, mãos dadas. Um universo ao alcance do toque, uma viagem ao interior de mim. Uma jornada para perto dela.

   Eu queria que fosse assim. Simples assim. A felicidade de um amor tranquilo. A tranquilidade de uma paz perene. Nada mais. Que a vida seja doce e que a morte traga consigo a leveza de um fim sereno. Eu queria que fosse assim. Eu queria que fosse.

   Mas, se assim não for, se não for feito um flanar por entre as nuvens, se não for feito relâmpago, não for feito trovão, que seja como tiver de ser. Que seja real, que seja duro. Que seja doloroso, até. Que seja perigoso, que seja cheio de tropeços. Que seja amargo. Que seja quente, que seja elétrico. Mas que seja calmo também. Que seja uma manhã de domingo, que seja um passeio no parque, que seja um sussurro no ouvido. Que seja um aceno ao futuro, que seja um lugar do passado. Que seja palavra riscada na areia, que seja onda do mar. Que seja amar.


Que seja vivo.

Que seja vida.

Que seja verso.

Que seja horizonte.

Que seja utopia.

Que seja travessia.

Que seja sutil.

Que seja humano.

Que seja singela.

Que seja eu.

Que seja nós.

Que seja ela.