segunda-feira, 20 de outubro de 2008

O papel da mídia

A vergonhosa e irresponsável atuação da mídia brasileira durante o seqüestro ocorrido em Santo André, que resultou na morte da jovem Eloá, de 15 anos, faz necessário um debate a cerca do real papel da imprensa. É inconcebível que um canal de TV permita que um apresentador, jornalista ou não, entreviste um seqüestrador durante o seqüestro. O que um jornalista sabe sobre negociação em situações de risco como aquela? Nada, absolutamente nada. A briga pela audiência já fez com que a TV brasileira apresentasse coisas inacreditáveis, como o sushi humano e a entrevista forjada com supostos integrantes do PCC. Nenhuma delas, entretanto, terminou com a morte de alguém. Não estou dizendo que os canais de TV que entrevistaram o cara são responsáveis pela morte da menina. Longe disso. Mas é fato que as entrevistas via telefone realizadas com ele prejudicaram o trabalho da polícia. A seguir, reproduzo o trecho de uma entrevista que o ex-comandante do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais) e sociólogo Rodrigo Pimentel, autor do livro "A Elite da Tropa", deu ao site Terra falando sobre o assunto.

Como o senhor avalia a cobertura da mídia?

A Sonia Abrão, da RedeTV!, a Record e a Globo foram irresponsáveis e criminosas. O que eles fizeram foi de uma irresponsabilidade tão grande que eles poderiam, através dessa conduta, deixar o tomador das reféns mais nervoso, como deixaram; poderiam atrapalhar a negociação, como atrapalharam... O telefone do Lindemberg estava sempre ocupado, e o capitão Adriano Giovaninni (NR: negociador da Polícia Militar) não conseguia falar com ele porque a Sonia Abrão queria entrevistá-lo. Então essas emissoras, esses jornalistas criminosos e irresponsáveis, devem optar na próxima ocorrência entre ajudar a polícia ou aumentar a sua audiência. O Ministério Público de São Paulo deveria, inclusive, chamar à responsabilidade essas emissoras de TV. A Record se orgulha de ter ligado 5 vezes para o Lindemberg. Ele ficou visivelmente nervoso quando a Sonia Abrão ligou, e ela colocou isso no ar. Impressionante! O Lindemberg ficou: "quem são vocês, quem colocou isso no ar, como conseguiram meu telefone?". Olha que loucura! Isso jamais aconteceria nos Estados Unidos hoje, jamais. Aconteceu há quase 40 anos, mas jamais aconteceria nos dias de hoje. Foi irresponsável, infantil e criminoso o que a Sonia Abrão fez. Eu lamento não ter falado isso na frente dela. Eu gostaria de ter falado isso para ela e para os telespectadores da Record e da RedeTV!.O que ela fez foi sem a menor avaliação. Tanto que, num primeiro momento, ele (o repórter Luiz Guerra) tentou enganar o Lindemberg, dizendo-se amigo da família. E depois ele tentou ser negociador, convencer ele a se entregar sem conhecer os argumentos técnicos usados para isso. O que o capitão Giovaninni falava para o Lindemberg a todo momento é que, até aquele momento, o crime que ele havia praticado era muito pequeno. Esse é o argumento técnico, funciona quase sempre. "Olha meu amigo, até agora você não matou ninguém, até agora só colocou essas pessoas sobre constrangimento, sua pena vai ser muito pequena...". Isso funciona mesmo. E a Sonia Abrão não tem esse argumento, a Record também não.

3 comentários:

Vicente Fonseca disse...

Brilhante, mestre.

"Não estou dizendo que os canais de TV que entrevistaram o cara são responsáveis pela morte da menina."

Também acho, mas estou seguro de que o seqüestro não teria a proporção que teve se a imprensa não tivesse feito dele mais um "fait-divers" para ganhar audiência. Lamentável.

Falando nisso: alguém sabe como anda o Caso Nardoni? Maior prova de que essas coberturas não têm nenhum valor jornalístico, mas sim espetaculoso. O jornalismo brasileiro é um grande The Sun.

Anônimo disse...

muito bom o post, chiquinho.

começo a ficar em dúvida se a pior atuação foi a do GATE - que se mostrou totalmente despreparado pra uma situação assim - ou da imprensa brasileira, que transforma tragédias em shows, sem nenhum zelo por quem sofre nestes casos... péssimo.
:/

Pati Benvenuti disse...

Esse seqüestro virou algo patético mesmo, e a imprensa aqui de São Paulo, principalmente, transformou em circo total. Gente sem noção é apelido!!