Você é uma pessoa extremamente racional em suas decisões e escolhas. Uma pessoa que sempre pondera a respeito das coisas para não tirar conclusões precipitadas. Você não age por impulso e honra o sapiens que denomina a sua espécie. Você pensa, calcula as possibilidades, os riscos, os efeitos, as consequências, os resultados de todas as suas ações. Nada é feito por fazer. Tudo tem um motivo. Tudo tem uma razão. Seu órgão preferido é o cérebro. Ele é o seu centro. Você sempre foi assim. Você é assim. Você acredita que será sempre assim.
E então você se apaixona.
E aquela pessoa que um dia você foi, desfaz-se como um castelo de cartas ao ser tocado. Você se torna outra. Você se torna alguém que nunca imaginou que poderia ser. Seu órgão preferido passa a ser o coração.
Você agora colocou a razão em segundo, terceiro, quarto, quinto, décimo, centésimo, milésimo, último plano. Você não pensa (porque você não consegue pensar). Você não analisa as circunstâncias dos acontecimentos ao seu redor (porque não consegue analisar). Você não pondera sobre questões sobre as quais tem de opinar (porque você não consegue ponderar). Você não calcula os riscos dos seus atos (porque não consegue calcular). Você não imagina outra coisa, você não se concentra, você não se foca, você não lê, você não escreve, você não para, você não raciocina (porque você não consegue).
Se apaixonar e sentir intensamente essa paixão é bom. Se apaixonar e viver intensamente essa paixão é importante. Diria até que se apaixonar e viver intensamente essa paixão é essencial. Apaixonar-se é viver. Apaixonar-se é humano. Uma das grandes peculiaridades dos humanos.
Diante da importância e até da necessidade da paixão em nossa vida, cabe pensar sobre o assunto. Pensar em como a paixão pode, ao mesmo tempo, trazer grandes benefícios e significativos malefícios para o apaixonado. Isso se dá pelo conflito explicitado acima. O conflito que coloca em lados opostos duas condições que nos acompanham durante toda a vida: razão e emoção.
A questão que se impõe, quando isso ocorre, é a seguinte: razão e emoção são condições necessariamente incompatíveis?
Definitivamente, não creio.
Tenho pensado bastante nisso e acho que é bem possível conciliar as duas coisas para se viver os fatos sob o olhar do que chamo de um racionalismo emocional. Ver o lado emotivo da relação com um olhar mais racional. Observar o lado racional, com olhos mais emotivos. Não é fácil fazer isso. Nem um pouco. Mas acredito ser deveras necessário.
Vemos as coisas que ocorrem em nossa vida de um modo equivocado. Levamos muito em consideração a opinião dos outros quando o que está em jogo são decisões a respeito da nossa vida. Decisões essas que, em princípio, só vão afetar a nós mesmos, sejam elas certas ou erradas. Deixamos de fazer coisas que queremos fazer em razão do que as pessoas que nos cercam vão pensar sobre isso.
Por outro lado, quando o que está em jogo é qualquer coisa que diz respeito à relação, somos extremamente egoístas. Só damos atenção àquilo que nos interessa. Todos os nossos atos são realizados com um único objetivo, todas as nossas ações têm um único fim: a nossa satisfação pessoal.
Há um grave erro aí. Os modos de analisar e interpretar os momentos estão trocados.
Quando o assunto é algo de cunho extremamente pessoal, uma decisão que vai afetar a nossa vida e a de ninguém mais, somente devemos dar ouvidos a nós mesmos. Nessas situações, devemos fazer aquilo que queremos fazer e não o que os outros acham que devemos fazer. Quando o que está em questão é estritamente a nossa vida, temos de ser egoístas, ou melhor, individualistas, pois seremos nós e mais ninguém que vamos arcar com as consequências dos nossos atos, sejam eles certos ou errados.
Já quando o que está em xeque é algo que diz respeito à relação, que envolve o outro com o qual estamos juntos, devemos observá-lo, analisá-lo, dissecá-lo, destrinchá-lo, com o olhar do outro. Temos de ver tudo o que está relacionado ao casal com o olhar do outro. Temos de nos colocarmos no lugar do outro. Temos de tentar entender como o outro vê essa situação, o que essa situação representa para o outro, o que as decisões que podem ser tomadas a respeito dessa situação significarão para o outro.
Tomemos por princípio que, hoje, em 2011, se estamos em uma relação é porque queremos estar, salvo algumas poucas exceções e casos especiais. E, quando estamos em uma relação, boa parte dos nossos atos acaba tendo alguma ligação com a companheira (o). Se uma ação nossa irá resultar em algum impacto, por menor que seja, na vida da parceira (o), não podemos agir somente de acordo com o que nós queremos, não podemos agir somente para buscar a nossa satisfação. É preciso ver a relação com os olhos do outro.
Não é fácil fazer isso. Ao contrário. Para fazer isso, é preciso um grande desprendimento por parte de ambos. É preciso expandir as percepções. Para fazer isso, é preciso pensar que, na nossa vida, nós somos o todo; na “vida” do casal, somos apenas a metade. Somente assim a dupla pode conquistar seus objetivos unidos e traçar os caminhos que os levarão a intensos e duradouros momentos de felicidade.
Para fazer isso, é necessário ter considerável controle sobre si mesmo. É difícil ter controle absoluto sobre si quando se está envolvido emocionalmente com algo. A emoção, o sentimento, faz com que vejamos as coisas com lentes que distorcem. Distorcem mais em uns e menos em outros, mas distorcem em todos. Corrigir essa distorção quando isso é preciso é um grande desafio.
Acho eu que ouvir o outro é o primeiro passo para fazer isso. Não há como compreender o outro sem ouvi-lo. Ouvi-lo pacientemente. Deixá-lo falar com o mínimo de interrupções possível. Prestar atenção no que o outro fala e pensar sobre o que o outro fala. É improvável que você vá entendê-la (o), mas, possivelmente, irá compreendê-la (o) e isso, você irá perceber, fará toda a diferença na relação.
Não tentar se impor ao outro, acredito que seja o segundo passo. Tentar fazer com que o outro compreenda você. O seu modo de pensar não é melhor do que o dela (e). Tentar fazer com que o outro lhe compreenda é emprestar as lentes através das quais você vê o mundo para a outra pessoa. É dar condições para que ela faça isso. Ninguém é compreendido quando tenta se impor, seja por meio da força, ou de gritos, ou de gestos, ou do silêncio ou seja através do que quer que seja. Para ser compreendido, é preciso se deixar compreender. O rio só corre por onde há caminhos abertos.
Racionalismo emocional.
Ser racional o bastante para perceber que o sentimento do outro é tão importante quanto o seu, que a dor do outro é tão forte quanto a sua. Ser racional o bastante para perceber que a relação é uma via de mão dupla, que nenhum envolvimento se sustenta quando o olhar não se expande, quando os desejos intrinsecamente pessoais são o guia de todos os atos. Ser racional o bastante para entender o significado de um para o outro. Ser racional o bastante para perceber o quanto a emoção é o centro, o motor da relação.
O 2 não se forma simplesmente se colocando o 1 ao lado do 1. O 2 é a soma, é a união do 1 com o 1. A partir do momento em que o 1 se une ao outro 1 e, assim, formam o 2, eles deixam de ser o 1 e o 1. Eles são o 2. Eles ainda são eles, o 1 ainda está ali, assim como o outro 1. Cada qual ainda com as suas características próprias, com as suas peculiaridades, com os seus defeitos e suas qualidades, contribuindo com a sua parte para formar o 2. Mas não são mais o 1 e o 1. São o 2. E, formando eles o 2, qualquer ação que, individualmente, um praticar afetará o outro e afetará o todo.
A grande dificuldade em encarar a relação deste modo reside no fato de que todos os nossos atos são realizados visando a nossa própria satisfação. É da natureza humana buscar benefício próprio em tudo o que o cerca. Isso, porém, talvez fizesse sentido lá atrás, com os nossos primeiros antepassados. Eles precisavam, por questão de sobrevivência, obter o máximo ao seu favor de tudo o que os rodeava. Nós não precisamos.
Ver a relação com o os olhos do outro. Usar a razão para entender a emoção. É difícil, mas não custa nada tentar.
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