Senta, pega a caneta, pega o papel. Minutos passam. Bate a caneta (ritmadamente) na mesa. Mais alguns minutos. Morde a tampa da caneta. Levanta. Vai à cozinha e faz um café forte. Volta pro quarto. Senta, pega a caneta, pega o papel. Leva a caneca do líquido escuro quente à boca. Sorve um belo gole. Coloca a caneca na mesa. Pergunta-se de onde veio aquele café. Vai à cozinha, olha a embalagem. Interior de São Paulo. Nenhuma novidade. Já esperava que fosse. Por curiosidade, olha a caixa de leite que está no armário para ver se é de Minas Gerais. Não, não é. É do Rio Grande do Sul mesmo. “O tempo da República do Café com Leite se foi mesmo”, diz pra si mesmo. Põe mais café. Volta pro quarto. Senta. Cinco minutos se passam. Começa a bater o pé esquerdo no chão. Pega o papel, pega a caneca de café e levanta. Caminha pelo quarto. Faz círculos. Olha para o papel. Branco. Olha para o interior da caneca. Preto. Falta cor. Abre a janela. 2h da madrugada. Uma neblina espessa o impede de ver o lago. Fecha a janela e senta de novo. Coloca o papel sobre a mesa e a caneta sobre o papel. A caneca está ao lado. Leva as mãos à face e fecha os olhos. Pensa. Pensa. Pensa. (pensa... pensa... pensa...). Tira as mãos do rosto. Boceja. Olha para o relógio. Os ponteiros se moveram bem rápido dessa vez. Uma leve dor começa a surgir na parte frontal da cabeça. Levanta. Pega o papel, a caneta e a caneca. Senta no chão e se encosta na parte lateral da cama. Bate com a caneta no chão. Como foi o dia que passou? Nada que renda frases interessantes. Alguma polêmica, alguma discussão? Nada. Coloca um cd no som (baixinho). Não gosta da música. Não é boa. Não para o momento. Desliga o som. Levanta. Vai até o banheiro. Joga uma água (fria) no rosto. Já passa das 3h. Pega o papel e a caneta que estavam no chão e os coloca sobre a cômoda, ao lado da cama. A caneca ele coloca na mesa. Ainda resta um pouco de café, mas já esfriou. Ele não gosta de café frio. Quente (bem quente) e forte. Uma lembrança de uma discussão a respeito da ausência de sentido no café descafeinado surge. Ele não lembra com quem discutiu. Na verdade, não foi uma discussão, foi um debate. Uma conversa acalorada. Melhor assim, uma conversa acalorada. “Café descafeinado é como cerveja sem álcool. Cerveja sem álcool não é cerveja e café descafeinado não é café. Pode ser qualquer coisa, menos café. Simples assim.” Ele riu. Foi uma boa lembrança. Deita. Fecha os olhos, cobre-se com dois cobertores que estão sobre a cama. Vira-se para um lado. Menos de um minuto passa. Vira-se para o outro. Um minuto e meio, talvez. Experimenta, na sequência, mais algumas formas de se acomodar para tentar dormir. Não consegue. Pensa. Pensa. Pensa. (pensa... pensa... pensa...). Não para de pensar. Pensa porque não para de pensar. Pensa porque pensa porque não para de pensar. O café! Bebeu muito café. Café de verdade. Forte. É isso. Bebeu muito café. Não vai conseguir pegar no sono tão cedo. Levanta. Pensa em ler alguma coisa. Olha para a estante. Uns quantos livros ainda não lidos. Fazer escolhas perto das 4h não é muito fácil. Às 4h, já se age por instinto. Há pouco raciocínio. Desiste. Ar em movimento se choca contra a janela e faz barulho. Ele a abre para ver se a chuva se aproxima e uma lufada de vento entra quarto adentro e faz com que o papel caia no chão, uns dois metros adiante, perto da porta. Não parece que vai chover. Foi só uma rajada mesmo. Fecha a janela. Pega as folhas caídas e as recoloca sobre a cômoda. Senta na cama. Põe os cotovelos sobre as pernas e apoia a cabeça nas mãos. Ele se sente um pouco cansado. Sente sono, mas não consegue dormir. O cérebro não para. Levanta e se dirige para a porta da frente da casa. Abre (“sem fazer barulho, sem fazer barulho”) e sai. Vai dar uma volta na rua. Temperatura amena, ao redor dos oito graus. A neblina diminuiu. Talvez o vento a tenha levado embora. O céu está nublado. De relance, por um momento, ele consegue ver uma estrela. Permanece olhando para cima por mais alguns instantes. Não vê mais nada, a não ser nuvens. Senta na escada que leva à porta da cozinha. Fica ali, olhando para o chão. Perde a noção de tempo. Vai longe. Pensa em pessoas. Pensa em pessoas que conhece. Pensa em pessoas que não conhece. Pensa em pessoas que estão perto. Pensa em pessoas que estão longe. Pensa em pessoas das quais gosta. Pensa em pessoas das quais gosta muito. Pensa em pessoas das quais não gosta nem um pouco. Projeta. Visualiza o futuro. A imagem não é muito clara, está meio confusa, embaçada (a neblina... a neblina...). Ele vê coisas boas. Ele vê coisas que gostaria de viver. Gotas começam a cair. Ele não se move. Mais gotas caem. Ele não se move. Muitas gotas caem. Ele permanece ali. Chove. Ali, sentado na escada, ele fica até que a pancada cesse. Levanta e volta para dentro de casa. No quarto, pega uma toalha, seca o rosto e o cabelo. Já são 5h. A chuva fez a temperatura cair. Ele sente frio. Em pé, olha para o papel e para a caneta. Ele se sente vencido. O branco do papel diz (grita) “desista”. Ele ouve atentamente. Suas costas doem. Suas pernas doem. Sua cabeça dói. Seu corpo dói. Mas, o que mais o machuca é o branco do papel. Esse tortura. Fere fundo. Ele se deita. Pega um livro que está ao alcance da mão. Começa a ler. Percorre os olhos por sobre as páginas. Uma folha. E outra. E outra. E outra. E outras mais. Os olhos fecham lentamente. Ele dorme. A roupa ainda está molhada. O livro escapa pelas mãos e cai aberto no chão. Na página, a última frase lida. “Fique isto confiado a ti somente, papel amigo, a quem digo tudo o que penso e tudo o que não penso.” Ao lado do papel em branco, a caneta descansa sobre a cômoda.
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