Estavam apaixonados. Davi e Jasmin estavam apaixonados.
Difícil acreditar que estivessem, eram tão diferentes um do outro. Mas estavam.
Davi e Jasmim estavam apaixonados.
Ela era dois anos mais nova do que ele. Ele era um amante da
ciência. Ela era espiritualizada até a raiz do fios dos cabelos castanhos. Ele
sofria por não conseguir vislumbrar um futuro para os dois. Ela vivia feliz com
cada momento que estavam juntos.
Eram um casal improvável.
Jasmin era oceano. Aberta, livre, sem limites e sem destino.
Queria ser. Em plenitude.
Davi era rio. Consciente de suas margens, buscava avançar,
descobrir algo novo na próxima curva.
A paixão os pegou de repente. Sem aviso algum, sem sequer um
sinal discreto. Conheciam-se há alguns anos já. Haviam trocado poucas palavras.
Nada demais.
Uma certa noite, um temporal, guarda-chuva e sombrinha
esquecidos em casa. Lá estavam eles, dois quase desconhecidos, parados,
inertes, junto à portaria da faculdade.
Por um momento, houve certo desconforto. Perceberam que
estavam próximos demais um do outro. Um passo curto para lado.
A chuva cada vez mais forte e nenhum sinal de que iria parar
tão cedo. Os minutos passando e se tornando hora.
Com a noite sendo cada vez mais noite, a faculdade foi
esvaziando. Uns saíram em grupos, outros, sozinhos. Eles, seguiam ali.
Davi não queria se molhar. Tinha medo de pegar um resfriado,
depois, uma gripe, e, depois, uma pneumonia. Ele tinha a saúde um tanto quanto
frágil.
Jasmim não tinha pressa. Contemplava encantada os clarões
iluminando o céu noturno, e os sons e cheiros que a água explodindo em fúria no
chão lhe proporcionava.
Eram rio e oceano.
As luzes foram desligadas.
Davi se sentou no degrau que dava para a rua.
Jasmim fez o mesmo.
Ficaram ali. Sentados. Lado a lado.
A chuva foi enfraquecendo. O silêncio, aumentando.
Davi estava prestes a se levantar e seguir caminho para casa
quando sentiu Jasmin se aproximar e apoiar a cabeça sobre o seu ombro esquerdo.
Pronto. Estava feito.
Moça e rapaz, sentados no degrau da entrada da faculdade em
uma noite chuvosa.
Foi assim que aconteceu.
Muita coisa se passou desde aquele dia. Se conheceram, se
aproximaram, contaram histórias – e até segredos.
Tornaram-se amigos muito próximos.
Ele sabia que ela adorava ouvir heavy metal. Ela sabia que
ele chorava toda vez que assistia ET na Sessão da Tarde. Ele sabia que ela
fazia barulhos estranhos ao dormir. Ela sabia que ele nunca conseguiu andar de
bicicleta.
Sabiam muito um sobre o outro.
Só não sabiam que iriam se apaixonar.
Davi se deu conta disso quando se pegou escrevendo o nome
dela repetidas vezes em uma folha do caderno no meio de uma aula de Economia.
Jasmim, por sua vez, percebeu na noite em que ele não lhe
mandou uma mensagem sequer pelo celular e ela sentiu um aperto no peito que há
muito não sentia.
Assim, apaixonados, ambos, tentavam lidar com seus
sentimentos sem fazer com que a amizade pudesse ser afetada.
Queriam mais, entretanto, temiam perder o que já tinham.
O dilema clichê. Sempre ele.
A diferença no caso de Davi e Jasmim é que ela era oceano e
ele era rio.
Cada um ao seu modo – às vezes onda tranquila, às vezes
correnteza bravia –, trataram de encontrar meios de obter aquilo que queriam.
Davi decidiu ser discreto em suas investidas. Iria mais
insinuar do que fazer, deixar nas entrelinhas do que dizer. Aos poucos, pensava
ele, iria cimentar um caminho que o levaria para dentro do coração dela.
Jasmim tinha mais pressa. Queria viver aquilo o quanto
antes. Sua paixão era urgente. Teria, assim, de agir, mas na medida certa, sem
errar o tom, sem correr o risco de, pressionando-o, fazê-lo se afastar.
Com o final do semestre se aproximando, e junto dele a
formatura em Engenharia, Davi achou que convidá-la para a festa da turma de
formandos seria uma boa oportunidade para colocar em prática seu plano.
Com o final do semestre se aproximando, e junto dele o fim
da convivência diária entre os dois, Jasmin achou que ir na festa da turma de
formandos seria a oportunidade perfeita para dar o passo seguinte.
Sem saber que ela iria de qualquer maneira, ele a convidou.
Sem saber os motivos do convite, ela aceitou na hora.
Davi fora o maior incentivador para que a festa fosse um
baile e não uma balada. Smokings e vestidos longos. Banda no palco tocando
música para dançar em par. Queria Jasmin como sua companhia durante toda a
noite. Tinha imaginado tudo. Primeiro a dança. Depois, uma caminhada pelo
jardim do clube e, por fim, um beijo apaixonado sob a luz das estrelas. Ele era
um romântico. Sempre fora.
Jasmin imaginava que, lá pela terceira música – quem sabe,
meados da segunda –, o clima estaria pronto para um beijo. Assim, poderiam
curtir juntos, já como um casal, o resto da noite. A vida é curta demais para
esperar pelo momento perfeito. Para ela, o momento perfeito é o agora. Sempre o
agora.
Que linda noite aquela do baile com o qual Davi e Jasmin haviam
sonhado durante toda a semana. Um céu sem nuvens revelava pingos brilhantes na
escura imensidão do cosmos.
Quando ela surgiu na portaria do prédio, ostentando no corpo
um vestido preto que só não brilhava mais que seus grandes olhos castanhos, ele
ficou paralisado. Ela caminhou até ele e lhe fez uma pergunta.
- Estou bonita?
Ele se esforçou para sair de seu estado petrificado e
respondeu com a voz firme.
- Mais que bonita. Estás poderosa.
Seguiram no banco de trás do carro que os levava. Jasmin,
por ela, já o atacaria ali mesmo. Só não o fez por receio de o assustar. Davi,
por sua vez, sentia as palmas das mãos suarem e lutava contar seu pé esquerdo
que, ritmadamente, batia no chão impedindo que ele disfarçasse seu nervosismo.
O salão, adornado por luzes pendentes, tinha um perfume de
flores do campo.
- Sentiste o perfume? São flores do campo –, disse ele junto
ao ouvido dela.
Ela não havia sentido, mas achou aquilo fofo.
O baile fora ótimo. A banda era boa, as pessoas estavam
animadas, a bebida, gelada, e a noite, calorosa.
As coisas para Davi e Jasmin, porém, não se deram do modo
como eles esperavam. Ela não o beijara na terceira música. Ele não a levara
para caminhar pelos jardins.
Já era madrugada e os últimos acordes dos músicos no palco
deram fim à festa. Restara apenas o burburinho dos jovens remanescentes
cansados e a pista de dança repleta de copos plásticos jogados ao chão.
Davi e Jasmin estavam frustrados.
Quase tristes.
Não entendiam o porquê de nada do que planejaram ter
acontecido.
Estava tudo tão claro em suas cabeças.
Foram embora. Davi a deixou em casa. Um abraço e um beijo no
rosto antes de dar as costas à garota por quem estava completamente apaixonado.
Jasmin ficou em pé junto à portaria olhando o carro se afastar. Uma solitária
lágrima rolou por seu rosto.
Sentado no banco de trás, Davi ia para casa com um
sentimento estranho lhe apertando o peito. Não era dor, mas um incômodo que
crescia a cada metro de asfalto que o veículo deixava para trás. Algo estava
muito errado.
Deitada na cama, o olhar distante de Jasmin em direção ao
teto do quarto denunciava seu estado de espírito. Não era tristeza, mas um
vazio que embaralhou as cartas do jogo da sua vida. Algo, definitivamente,
estava errado.
Não foi preciso mais do que alguns poucos minutos,
entretanto, para que, no mesmo instante, como que movidos por uma força que os
unia além da presença física, algum tipo de energia presente em ambos, se
dessem conta do que estavam fazendo e, de um pulo, tomassem as rédeas do
destino nas mãos e assumissem o controle daquela história.
Davi mandou o motorista dar meia volta e fincar o pé no
acelerador. Jasmin ergueu-se, pegou a chave da porta do apartamento, e,
descalça, desceu correndo as escadas.
O som dos pés dela nos corredores do prédio e o barulho do cantar
dos pneus do carro a cada curva, se unidos, formariam uma sinfonia única, uma
melodia composta só para eles dois.
Jasmim puxou a porta de entrada. Davi empurrou a porta do
carro.
Jasmim ganhou a rua, sentindo as pedras machucarem seus pés.
Davi, atravessou a rua sem olhar para os lados.
Os passos se tornaram mais rápidos e, de repente, cessaram.
Ficaram estáticos, ambos.
Estavam frente a frente. Os olhos de um, nos olhos do outro.
Nenhuma palavra foi dita. Não foi necessário dizê-las.
Beijaram o beijo mais cheio de paixão que já foi beijado.
A madrugada caminhou para o seu fim, o sol surgia tímido, a
escuridão despedia-se e dava lugar à luz da manhã.
Já em suas casas novamente, os dois não conseguiram dormir
nem por um momento sequer naquele dia. Refletindo sobre tudo o que acontecera
nas últimas horas, descobriram, assim, Davi e Jasmim, qual fora o erro que
cometeram, o qual ainda tiveram tempo de corrigir: paixão não combina com
planejamento. Paixão é loucura, instinto. Paixão é fazer antes de pensar.
Paixão é calor, planejamento é frio.
Ela era oceano.
Ele era rio.